O relatório da Pesquisa - Práticas da Enfermagem no Contexto da Atenção Primária à Saúde: Estudo Nacional de Métodos Mistos, se estrutura em 11 partes; entre elas estão as sínteses dos discursos (vozes ativas) das enfermeiras e dos enfermeiros que atuam no contexto da APS nos territórios pesquisados e que, apesar das árduas atividades frente às modificações necessárias ao enfrentamento da pandemia (com a revisão das rotinas nas UBS), encontraram tempo para conversar com membros da Rede de Pesquisadores espalhada por todo país. Seu objetivo consistiu em compreender as práticas profissionais das enfermeiras e enfermeiros que atuam na Atenção Primária à Saúde no Brasil.
Na parte inicial, denominada Gratidão, nossa primeira palavra, reconhecemos o trabalho de cada uma das instituições envolvidas e das pessoas que tomaram para si a corresponsabilidade de conhecer e reconhecer a dura realidade vivenciada pelos profissionais envolvidos neste estudo. A palavra que sobressai dos corações e das mentes é uma só: cuidemos de nós e dos outros.
Na segunda parte, dedicamos estes ensinamentos, a aprendizagem desta pesquisa, à Profa. Luzimar dos Santos Luciano, da Universidade Federal do Espírito Santo (in memoriam), e ao Prof. Raphael Florindo Amorim, da Universidade Federal de Roraima (in memoriam). Seguramente, a sucessão de erros do Estado e do governo brasileiros retirou-lhes a vida e a oportunidade de seguir reescrevendo, conosco, a perseverança da meta maior: a busca da vida saudável e feliz. Vale o desejo de viver, plenamente, em uma única vida neste planeta.
A terceira parte, intitulada A Enfermagem brasileira e os desafios do porvir, subscrita pela atual presidente do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), Betânia Maria Pereira dos Santos, reúne os compromissos dessas instituições em seguir formando e regulando as “boas práticas” da nossa profissão, reconhecendo os avanços sem esquecer os desafios da contemporaneidade. Os desafios nos convocam a compreender, redigir e agir em parceria com outras instituições a partir de uma agenda virtuosa, vigorosa, marcada pela autonomia, pela legitimidade e pelo reconhecimento societário dos direitos ao exercício ampliado das práticas das enfermeiras e dos enfermeiros nos mais longínquos territórios do país – sem perder de vista que devemos ser “folhas e ramos de uma mesma árvore, gotas de um mesmo oceano”.
A quarta parte é uma “carta-testemunho” intitulada Sigamos a construir o esperançar. O texto evidencia que, a despeito das diferenças de tempo e lugar das instituições envolvidas nesta pesquisa, o respeito, a pluralidade de pensamento, o acolhimento e o exercício permanente da pedagogia da amorosidade foram os fios condutores para o alcance do conhecimento, na produção de uma ciência cidadã. O conhecimento pode encher a terra assim como as águas enchem o mar.
A quinta parte, alcunhada Um retrato do Brasil, contém os recortes contextuais do nosso país – quem somos e onde estamos –, com fragmentos essenciais às leituras dos tempos atuais. E, após avaliar as inter-relações entre Estado, governo, sociedades e os entrelaços do aparelho de Estado, do Estado neoliberal, do Estado de bem-estar social, das políticas sociais, das políticas de saúde, das desigualdades sociais e da desigualdade em saúde, vai ao cerne da questão: a necessidade de um Estado de bem-estar social.
A sexta parte é intitulada Os ancoradouros epistemológicos da pesquisa. Nela, expressaram-se os horizontes ontológico, axiológico, epistemológico e metodológico das ciências sociais e humanas aplicadas à saúde. Ainda se buscam os valores, os princípios éticos e as estratégias operacionais para a construção de um novo modo de organizar o SUS: um modelo de atenção à saúde integral e familiar, orientado pelos atributos da APS, pela via das Estratégias de Saúde da Família (ESF), estruturado em rede, interconectado e enraizado nas comunidades, com a vinculação dos ACS e das UBS, dialogando como autores referenciais que vêm produzindo nessas áreas do conhecimento. Discorre-se também sobre diversas âncoras conceituais do mundo do trabalho que possam iluminar as implicações na práxis das enfermeiras e dos enfermeiros, participantes diretos deste estudo.
A sétima parte, cujo título é Percurso metodológico, descreve as trilhas percorridas, as escolhas originais e o atravancamento da pandemia quanto aos métodos, às técnicas, aos instrumentos e à revisão de estratégias utilizadas na pesquisa. Traçamos os caminhos que tomamos durante a realização da pesquisa: (a) formulamos o objeto e a pergunta central da investigação; (b) definimos o universo e os participantes da pesquisa; (c) escolhemos o referencial de análise teóricometodológico; (d) organizamos e realizamos o trabalho de campo; e (e) realizamos sessões de estudos NVivo, tratamos os dados e analisamos as informações coletadas, com cuidado a todos os procedimentos éticos e de integridade da pesquisa.
Na oitava parte, trazemos os Resultados e a discussão. Em primeiro lugar, há uma síntese do Brasil, composta pelo perfil sociodemográfico das enfermeiras e dos enfermeiros e da APS no Brasil, bem como por informações de formação profissional, condições de emprego, trabalho e salários, entre outras categorias, que retratam esses perfis em diferentes contextos territoriais das enfermeiras e dos enfermeiros que atuam na APS nas cinco regiões. A síntese é seguida do item “Gestão da e Tradução do Conhecimento”. Resultados obtidos pela parte quantitativa foram organizados de forma a integrar, em uma relação dialógica, os discursos dos profissionais pesquisados em todas as regiões brasileiras – estes considerados a base empírica – e a literatura temática – considerada o aporte do referencial teórico para o aprofundamento das discussões –, sintetizando, portanto, o diálogo entre esses dois mundos: a prática e a teoria.
Na nona parte, apresenta-se a Síntese dos Resultados e das Discussões, desta vez desagregada por cada região do país e organizada pelas categorias e por suas dimensões: Práticas Coletivas nas UBS – ESF (Atuação no Território; Gestão da UBS; Integralidade e Rede; Equidade; Vigilância e Informação, Educação e Comunicação em Saúde; e Controle Social). Já nas Práticas Individuais, foram evidenciados os resultados segundo as dimensões Atuação no Território, Gestão e Assistência.
Na décima parte, Perfil da Rede de Pesquisadores, registramos quem somos, onde estamos, a que instituição pertencemos, demonstrando os espirais que circunscrevem a integração das “diferenças” na unidade pela diversidade de conhecimentos, competências e habilidades no mundo da ciência e da pesquisa no campo da saúde coletiva, no âmbito do SUS e nos contextos da APS, os quais a enfermagem protagoniza com suas práxis. A aproximação dos pares em processos formativos neste percurso poderá possibilitar o salto para o mais do SER dos Humanos, a coragem de abrir as janelas do futuro.
Na décima primeira parte, apontam-se algumas questões no texto denominado O futuro que bate à nossa porta. Trata-se do fechamento temporário de uma análise fotográfica em momentos de incerteza; logo, firma-se em sinalizações de que o futuro é hoje, e de que as enfermeiras e os enfermeiros podem e sabem que podem instituir outras e novas prática, com ciência de que o velho ainda está desabando aos nossos pés. E, enquanto isso, em meio aos incêndios, aquelas mulheres e aqueles homens confessam a si mesmos que devem manter acesas as chamas do devir.
Encontram-se ainda, no relatório da pesquisa, todas as referências utilizadas nas discussões dos resultados, as produções realizadas durante a execução do estudo (apêndices) e outros documentos necessários à sua finalização (anexos).
O relatório aqui apresentado é, ao fim e ao cabo, uma homenagem a todas as trabalhadoras e a todos os trabalhadores da Enfermagem, cujo futuro também está sendo escrito pelos passos firmes das nossas instituições e de pessoas que assumiram uma verdade ao som das caminhadas: somos gente aprendendo a cuidar de gente.
Considerada a maior força de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS), a enfermagem brasileira tem sido corresponsável, prioritariamente por meio da Estratégia Saúde da Família e dos Agentes Comunitários de Saúde, pela reestruturação, ampliação e melhoria do acesso e da qualificação da Atenção Primária à Saúde (APS) em redes integradas, o que exige olhar para a realidade de suas práticas em todos os municípios do país.
Diante dessa complexidade, o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), mirando o futuro, associou-se à Universidade de Brasília (UnB), através do Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP), para desenvolver a pesquisa Práticas de Enfermagem no Contexto da Atenção Primária à Saúde (APS): Estudo Nacional de Métodos Mistos, que ora apresenta seu relatório final.
Dialogicamente, o NESP/UnB promoveu reuniões, eventos, oficinas (presenciais e virtuais) para o desenho do projeto desde sua origem, com representantes de Instituições Públicas de Ensino Superior no âmbito da Enfermagem, proporcionando uma rica e afetuosa experiência de encontro de saberes, do Norte ao Sul do país.
Também integrou esta Rede Nacional parceiros de peso para a concretude da pesquisa – realizada em meio à pandemia da covid-19 –, a exemplo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), da Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade (ABEFACO) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
É preciso reconhecer os avanços no exercício das práticas individuais e coletivas das enfermeiras e dos enfermeiros nos mais complexos, diversos e singulares territórios de suas atuações, modificando os modos de cuidar e contribuindo para a edificação de um novo modelo de atenção à saúde. Ao mesmo tempo, faz-se necessário imprimir outros olhares aos desafios estruturais e conjunturais, agravados pela pandemia da covid-19. A enfermagem tem assumido o protagonismo no enfrentamento da maior crise de saúde pública/coletiva e, por consequência, das questões de ordem social, política, econômica e institucional que se (re)apresentam.
Esses obstáculos associaram-se ao estranho sentimento de insegurança, medo e sofrimento, a perdas e incertezas; nada disso, porém, foi barreira que impedisse o êxito deste trabalho, finalizado por muitas mentes, mãos e corações, que ora socializamos com nossos Conselhos de Classe, as Instituições de Ensino e Pesquisa e a sociedade em geral.
Que os resultados deste estudo, ancorados em evidências técnico-científicas e sustentados na compreensão dos participantes sobre o exercício de suas práticas nas inúmeras Unidades Básicas de Saúde (UBS) espalhadas nos diversos e longínquos municípios brasileiros, possam constituir efetivas mudanças nos complexos, vários e singulares territórios. Que prossiga visando o horizonte da edificação de “Práticas Avançadas”, com vistas à sua regulamentação, ao seu reconhecimento e à valorização profissional, bem como à revisão dos processos formativos e à reafirmação dos valores doutrinários e dos princípios organizativos da APS, voltada à Estratégia Saúde da Família, consolidando, assim, o novo modelo de atenção integral à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Parabenizo a equipe coordenada pela enfermeira e Profa. Dra. Maria Fátima de Sousa pelo exercício de (cons)ciência na tarefa dialógica, acolhedora e de amorosidade para a condução desta pesquisa.
No difícil contexto de desconstrução sociopolítica que nosso país vive, agravado pela maior crise sanitária de nossa história, concretizar uma pesquisa multicêntrica deste porte sobre Práticas de Enfermagem no Contexto da Atenção Primária à Saúde demandou grandes esforços e competências de todas, todos e todes vocês – esforços que não foram apenas intelectuais e cognitivos, mas também, e sobretudo, humanitários.
Muitos momentos de incerteza, dor, insegurança, ansiedade e perdas foram vivenciados pelo grupo de pesquisadoras e pesquisadores deste projeto, sem que perdessem o compromisso, a garra e a gana de produzir conhecimento.
Nesse sentido, venho em nome da equipe central expressar minha profunda gratidão às coordenações estaduais e às estações regionais, a todas as pesquisadoras e pesquisadores, bolsistas e voluntárias/os de graduação e pós-graduação, por terem contribuído com muitas de suas horas, de seus dias, de seus saberes e de sua força de trabalho para o alcance de resultados tão valorosos. Não podemos também deixar de destacar o apoio, em todos os sentidos da palavra, que nos deram o COFEN e os CORENs em todo o país.
Por meio desta pesquisa, profissionais do Norte, do Nordeste, do Sul, do Sudeste e do Centro-Oeste do Brasil deram as mãos, se abraçaram. Toda a equipe, cuja voz amplio neste momento, está convencida de que foi esse sentimento de união, de profundo afeto e respeito pela ciência e pelo trabalho da enfermagem que conseguiu mobilizar milhares de profissionais em um momento tão difícil do cotidiano da atenção primária em todos os nossos municípios. Essas pessoas nos doaram momentos de suas difíceis jornadas de trabalho frente à rotina inglória da pandemia, acrescida das tradicionais atividades de seu exercício profissional, para nos traduzirem suas práticas da vida real em evidências de pesquisa. Logo, esta pesquisa é também um ato de resistência.
Os frutos deste estudo são ainda imensuráveis. Mas seguramente traçam, nas vozes de cada enfermeira e de cada enfermeiro, as árduas linhas dos seus processos de trabalho.
Em uma das falas colhidas por nossa equipe de pesquisa, uma enfermeira diz: “Eu gosto de tocar, gosto de falar, gosto de conduzir, de descer os pacientes da maca pegando na mão.” Essa é a essência do cuidado humano. Durante estes últimos anos, foi sempre necessário clamar: “Ninguém solta a mão de ninguém”. Vocês não soltaram. Fizemos boa ciência. Ciência coletiva. Ciência afetiva
Agradecemos do fundo de nossos corações e seguimos juntas/os/es na sempre necessária tarefa de construir o esperançar.
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