Enfermagem no cuidado à população em situação de rua

Atuação de profissionais da Enfermagem no atendimento de pessoas em situação de rua radicaliza os princípios de solidariedade presentes no SUS desde a sua concepção, em setembro de 1990, como instrumento fundamental de compromisso com a saúde coletiva.

31.01.2025

Muitas vezes invisibilizada por quem mora em grandes centros urbanos, a população em situação de rua chegou, em 2024, ao patamar assustador de 327 mil pessoas no Brasil. Dados de uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostram que 63% vivem no Sudeste; 7 a cada 10 não são alfabetizados ou nunca frequentaram a escola. Gente carente de teto, emprego, vínculos confiáveis e projeto de país onde caibam seus sonhos.

A atuação de enfermeiros e enfermeiras radicaliza os princípios de solidariedade presentes na concepção do SUS.

Em avenidas movimentadas, debaixo de marquises ou pontes, envolto em caixas de papelão, quem mora na rua tem geralmente seu primeiro contato de cuidado com as equipes de profissionais da Enfermagem. Para quem está na ponta do processo de acolhimento o desafio das ruas fica maior a cada ano. Segundo o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (ObPopRua), da UFMG, houve um aumento de 25% de pessoas vivendo em situação de rua desde dezembro de 2023. 

Na Unidade Básica de Saúde (UBS) é revelada a face de cada um dos números presentes no levantamento divulgado pelo ObPopRua/UFMG. No atendimento realizado pelos agentes do programa “Saúde da Família”, no “postinho” itinerante do Consultório Na Rua, por meio da atenção primária à saúde ofertada na rede pública, é que o cidadão exposto às mais diversas formas de violência e exclusão encontra-se como sujeito de direitos.  

Nesse cenário é que se torna imprescindível o papel da Enfermagem, pois seus profissionais podem oferecer serviços públicos que transcendem o tratamento de doenças. A identificação de pessoas desaparecidas e ação na prevenção de violências são alguns exemplos. Entender esses fatores promove um cuidado mais holístico e intersetorial que ajuda aos profissionais no desenvolvimento de estratégias mais empáticas, eficazes e integradas, que vão além do atendimento médico tradicional.

Potencializar e preparar servidores e servidoras do Sistema Único de Saúde (SUS), médicos, psicólogos, assistentes sociais e trabalhadores da Enfermagem, qualifica o atendimento e permite ao cidadão encontrar um ambiente sem pré-conceitos baseados na vestimenta, origem, crença, cor da pele ou asseio do paciente. A atuação de enfermeiros e enfermeiras radicaliza os princípios de solidariedade presentes na concepção do SUS, em 19 de setembro de1990, como instrumento da saúde coletiva. Maior sistema público do mundo, o SUS garante acesso gratuito à saúde de qualidade para 215 milhões de brasileiros e brasileiras. 

Para além do SUS e da atenção primária na saúde, o atendimento jurídico, as iniciativas de formação profissional e os centros de reabilitação representam mais do que uma porta aberta ao recomeço. É necessário receber e acolher um povo que clama por visibilidade, assegurar um conjunto de direitos que possibilite de fato “fazer com que essas pessoas não retornem às ruas e possam constituir seu núcleo familiar”, afirma o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Em mensagem direta a estados, Distrito Federal e municípios, o magistrado determinou, em julho de 2023, a observância do Decreto 7053/2009, que institui as diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua. No Parágrafo único do ato normativo, concebido na primeira década dos anos 2000, é possível compreender a complexidade de fatores que conduzem um ser humano a quadros graves de vulnerabilidade.

“Considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória”.

Equipes multiprofissionais que atendem pessoas em situação de rua no DF. Foto: Lúcio Bernardo Jr./Agência Brasília

À vista disso, o programa “Consultório na Rua” se mostra eficaz na abordagem e na manutenção da vida dessas pessoas fragilizadas por inúmeras variáveis como conflito familiar, desemprego, preconceito, violência sexual, drogadição ou abandono parental. A estratégia foi instituída pela Política Nacional de Atenção Básica do Ministério da Saúde, em 2011, e visa ampliar o acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde, ofertando de maneira mais oportuna a atenção integral para esse grupo populacional que se encontra, em boa parte dos casos, sem ter para onde ir ou como dar perspectiva aos próprios anseios de uma vida mais digna.

Na contramão da realidade das ruas, apenas 5 estados e 15 municípios haviam aderido, até 2020, ao programa de resgate social de indivíduos e famílias que se encontravam na extrema pobreza e tinham somente a calçada de pedras irregulares e pontiagudas como lar. Dignidade é o grito desesperado que vem das vielas dominadas pelas drogas e pela violência, locais abandonados pelo poder público. O distanciamento de parcela dos gestores da realidade de miserabilidade como as relatadas aqui é um entrave à sensibilidade geradora de oportunidades assistenciais, em todas as esferas de poder. Vale lembrar, por dever do Estado e direito do povo, Executivo, Legislativo e Judiciário precisam ter disposição e bons projetos para construir políticas públicas inclusivas eficientes.

A criação de um ambiente seguro e confidencial no âmbito da saúde, por exemplo, é primordial para que esses indivíduos se sintam à vontade para compartilhar suas experiências e necessidades. De acordo com o secretário de Atenção Primária, Felipe Proenço, a meta é chegar a 600 equipes de “Consultório na Rua” até 2026. A formação de profissionais também faz parte da estratégia de cuidado. “O SUS tem a capacidade de chegar a diversas localidades e trabalhar com as populações mais vulneráveis. É nesse contexto que se destaca a importância do trabalho com a população em situação de rua. É por isso que temos, dentro da Atenção Primária, a modalidade de equipes de consultório na rua, compostas por médico, enfermeiro e agente social. Essas equipes chegam nas localidades onde essa população se encontra, buscando entender seu contexto e necessidades”, pontua Proenço.

Ambulância do programa governamental de atenção à saúde "Consultório na Rua" com equipe em pé na calçada ao fundo.
Exames, tratamentos e laudos são oferecidos para a população em situação de rua, além de cuidado e acolhimento. Foto: Agência Saúde-DF

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) debate e acentua parcerias com o Ministério da Saúde visando a construção de ambientes acolhedores para o reconhecimento do direito à identidade, educação, saúde, moradia, emprego e renda a essa população. Através da Câmara Técnica de Enfermagem em Atenção Primária à Saúde (CTEAPS), a autarquia trabalha com o conjunto de profissionais de Enfermagem para estabelecer espaços onde todo o cidadão em situação de rua se sinta seguro para compartilhar suas vivências e preocupações.

O Ministério da Saúde atendeu mais de 1,4 milhão de pessoas em vulnerabilidade em 2023. Um total de 512.899 pessoas em situação de rua foram atendidas por equipes de Consultório na Rua, enquanto 889.397 pessoas do campo, da floresta e das águas foram atendidas por equipes de Saúde da Família Ribeirinha. Um trabalho que busca a confidencialidade acolhedora no olhar, crucial para construir confiança. Isso inclui a triagem para doenças crônicas, transtornos mentais e sinais de violência. Os profissionais de Enfermagem perseguem a meta de realizar avaliações de saúde detalhadas para identificar necessidades físicas, psíquicas e sociais da população.

A CTEAPS/Cofen foi definida pela Portaria nº 963 de 24 de maio de 2024 e é formada pelos seguintes membros: a coordenadora Silvia Maria Neri Piedade e os membros Daiana Bonfim, Elissandro Noronha dos Santos, Emília Nazaré Menezes Ribeiro Pimentel, Isabelita de Luna Batista Rulim, Juliana Cipriano Braga Silva de Arma e Maria Alex Sandra Cosa Lima Leocádio.

Fonte: Ascom/Cofen – Iberê Lopes com informações da Agência Brasil e do Ministério da Saúde

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