PARECER Nº 19/2024/COFEN/CAMTEC/CTLNENF


21.02.2025

PROCESSO Nº 00196.001150/2024-76

ASSUNTO: Questionamento da UBAAT

 

PARECER TÉCNICO. ARTETERAPIA. CURSO LIVRE. CARGA HORÁRIA MÍNIMA. PARÂMETROS CURRICULARES. PODER DISCIPLINAR E REGULAMENTAR DO CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. MANUTENÇÃO DA RESOLUÇÃO COFEN 739/2024 IPSI LITTERIS.

 

Dr. Josias Neto Ribeiro

Coordenador das Câmaras Técnicas

 

I. RELATÓRIO

O presente parecer foi solicitado pela União Brasileira de Associações de Arteterapia (UBAAT), Pessoa Jurídica de Direito Privado, inscrita no CNPJ sob o nº 08.764.352/0001- 25, constituída por tempo indeterminado, sem fins econômicos, políticos ou religiosos.

A UBAAT, entidade responsável pela defesa e divulgação da Arteterapia no Brasil, manifestou preocupação com a Resolução Cofen nº 739/2024, que autoriza enfermeiros a atuar em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), desde que capacitados.

A entidade ressalta a importância da formação qualificada para o exercício da Arteterapia, destacando a sua Nota Técnica de 7 de outubro de 2023, que define como requisito mínimo 520 horas de formação teórico-prática em cursos de pós-graduação ou especialização. Por outro lado, entende que cursos livres com apenas 120 horas são considerados insuficientes para garantir a competência necessária.
Para fundamentar seu entendimento, a UBAAT cita o Projeto de Lei n. 3416/2015 que pretende regulamentar a profissão de Arteterapeuta, sendo que o referido Projeto de Lei se encontra na Mesa Diretora do Senado Federal para deliberação, ou seja, a arteterapia ainda não se tornou profissão regulamentada no Brasil.

A UBAAT solicita que a Resolução nº 739 seja revisada para incluir critérios mínimos de formação em conformidade com suas diretrizes, visando assegurar a qualificação dos profissionais e a segurança dos usuários.

Dessa forma, o questionamento centra-se na validade das orientações da União Brasileira de Associações de Arteterapia (UBAAT) quanto à definição de carga horária mínima de 520 horas para a formação em Arteterapia. Busca-se, neste parecer, verificar se a UBAAT possui competência legal para estabelecer critérios formativos, especialmente considerando a legislação educacional vigente, com ênfase na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei nº 9.394/1996), e se pode regulamentar a atividade profissional de Arteterapia.

Estes são os fatos, pelo que passamos agora para sua análise e emissão de parecer.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – Competência da UBAAT e a Regulamentação Profissional

Preliminarmente é essencial compreender que a UBAAT é uma associação civil, que não possui natureza jurídica de conselho profissional, sendo criada para representar e promover a Arteterapia no Brasil, conforme apontado na Nota Técnica nº 001/2023.

Associações civis, como a UBAAT, não possuem poder normativo ou coercitivo, pois tal prerrogativa é atribuída a Conselhos Profissionais, por meio de lei federal específica, conforme estabelece o art. 22, inciso XVI, da Constituição Federal, sendo competência privativa da União.

Nesse sentido, a Arteterapia não é uma profissão regulamentada, visto que o Projeto de Lei nº 3416/2015, citado pela UBAAT, ainda não foi aprovado, logo, a UBAAT não possui competência legal para regulamentar ou estabelecer requisitos obrigatórios para o exercício profissional, incluindo a carga horária mínima para formação.

II.2 Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)
Embora a Arteterapia esteja incluída na CBO (código 2263-10), como sustenta a UBAAT, isso não equivale à regulamentação profissional. A CBO apenas descreve ocupações existentes no mercado, sem criar exigências formais ou vínculos jurídicos obrigatórios.

II.3 – Fixação de Carga Horária Mínima

II.3.1 Validade de Exigências Privadas

Associações como a UBAAT podem sugerir recomendações, mas não podem impor requisitos obrigatórios diferentes da LDB ou dos parâmetros estabelecidos pelo MEC. Caso contrário, violariam o princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF/88) e a competência do MEC para fixação de diretrizes educacionais (art. 9º, §2º, da LDB).

Além disso, mesmo que a UBAAT figure como única entidade representativa de caráter nacional, não pode ser considerada um conselho fiscalizador e disciplinador da atividade de arteterapia, logo, sua Resolução nº 1/2013 não possui qualquer caráter normativo capaz de impulsionar qualquer modificação na Resolução Cofen n. 739, de 05 de fevereiro de 2024.

II.3.2 Cursos Livres e Autonomia Profissional

A formação complementar, como cursos livres e programas de capacitação em Arteterapia, não está subordinada às associações, exceto no caso de reconhecimento formal pelo MEC ou por lei específica, o que não é o caso.

O art. 42 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9.394/96) define como cursos livres os cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade, vejamos:

Art. 42. As instituições de educação profissional e tecnológica, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade. (g.n.)

A LDB ainda traz uma definição ainda mais precisa de cursos livres para educação profissional em seu art. 39, § 2º, inciso I, vejamos:

Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia.
§ 1º (…)
§ 2º A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguintes cursos:
I – de formação inicial e continuada ou qualificação profissional; (g.n.)

Tais cursos não possuem carga horária ou qualquer outro parâmetro curricular estabelecido em lei, portanto, não caberia a UBAAT estabelecer parâmetro curricular para o exercício da Arteterapia, muito menos impor ou recomendar ao Conselho Federal de Enfermagem que revise a Resolução Cofen n. 739/2024 para adequar às regras de natureza privada, uma vez que o Cofen, diferente da UBAAT, é órgão disciplinador do exercício profissional da enfermagem nos termos do art. 2º da Lei 5.905/1973 e, portanto, é autarquia que disciplina e regula o exercício profissional dos enfermeiros, não cabendo intervenção de instituição privada.
Importante destacar que os cursos livres podem ser ofertados livremente por instituições especializadas ou mesmo no ambiente de trabalho, não cabendo limitações estabelecidas por instituições privadas.

Ressalta-se que não existe, atualmente, curso de graduação em Arteterapia, de acordo com os dados do Ministério da Educação, quando se consulta o portal e-MEC , além do que, cursos de pós-graduação lato sensu, conforme estabelece o MEC, em sua Resolução nº 1/2018, art. 7º, inciso I, possui carga horária mínima de 360 (trezentos e sessenta) horas, portanto, acertou o COFEN quando estabeleceu carga horária mínima de 120 (cento e vinte) horas para o curso livre de Arteterapia, garantindo segurança e qualidade na assistência prestada pelo profissional de enfermagem, nos termos do que prescreve a Resolução Cofen n. 739, de 05 de fevereiro de 2024, em especial em seu art. 5º, parágrafo único.

II.4 – Jurisprudência e legislação

Os tribunais pátrios compreendem a Arteterapia como um procedimento, tratamento ou um método terapêutico, mas não como profissão, o que vai em sentido contrário ao que defende a UBAAT e consolida o que estabelece o caput do art. 5º da Resolução Cofen n. 739, de 05 de fevereiro de 2024, vejamos:

PLANO DE SAÚDE – OBRIGAÇÃO DE FAZER – NEGATIVA DE CUSTEIO – (…) Arteterapia incluída na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS, Portaria nº 849/2017, do Ministério da Saúde – Pet-terapia – Existência de PL nº 4711/2023 em tramitação, para que seja disponibilizada no SUS, para o tratamento de pessoas com autismo – Arteterapia e pet-terapia consideradas como métodos terapêuticos – Dever de cobertura pelas operadoras de saúde (…) RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP – Apelação Cível: 1029583-26.2022.8.26.0007 São Paulo, Relator: Angela Moreno Pacheco de Rezende Lopes, Data de Julgamento: 26/03/2024, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/03/2024) (g.n.)

PLANO DE SAÚDE. Pretensão do autor de obter a condenação da requerida ao custeio do tratamento que envolve as seguintes terapias: 1) Psicologia ABA; 2) Fonoaudiologia ABA; 3) Psicopedagogia ABA; 4) Terapia Ocupacional c/Integração Sensorial; 5) Terapia Ocupacional Aquática; 6) Psicomotricidade ABA; 7) Psicomotricidade aquática (Hidroterapia); 8) Musicoterapia ABA; 9) PEDIASUIT; 10) BOBATH; 11) Nutricionista espec. Seletividade alimentar; 12) Pet-Terapia; 13) Arteterapia; 14) Equoterapia; 15) Consulta com Pediatra mensal; 16) Consulta médica com Neurologista infantil(…). Recurso do autor não provido e recurso da requerida provido em parte. (TJ-SP – Apelação Cível: 1020708-75.2022.8.26.0554, Relator: Schmitt Corrêa, Data de Julgamento: 20/03/2024, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/03/2024)

Além do mais, a Portaria n. 849, de 27 de março de 2017, em seu art. 1º, incluiu a arteterapia como Prática Integrativa e Complementar, vejamos:

Art. 1º Inclui na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), instituída pela Portaria nº 971/GM/MS, de 3 de maio de 2006, publicada no Diário Oficial da União nº 84, de 4 de maio de 2006, Seção 1, pág 20, as seguintes práticas: Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Dança Circular, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia Comunitária Integrativa e Yoga apresentadas no anexo a esta Portaria. (g.n.)

Além disso, a referida portaria, em seu anexo, trouxe uma descrição clara do que vem a ser a Arteterapia, vejamos:

É uma prática que utiliza a arte como base do processo terapêutico. Faz uso de diversas técnicas expressivas como pintura, desenho, sons, música, modelagem, colagem, mímica, tecelagem, expressão corporal, escultura, dentre outras. Pode ser realizada de forma individual ou em grupo. Baseia-se no princípio de que o processo criativo é terapêutico e fomentador da qualidade de vida. A Arteterapia estimula a expressão criativa, auxilia no desenvolvimento motor, no raciocínio e no relacionamento afetivo.
Através da arte é promovida a ressignificação dos conflitos, promovendo a reorganização das próprias percepções, ampliando a percepção do individuo sobre si e do mundo. A arte é utilizada no cuidado à saúde com pessoas de todas as idades, por meio da arte, a reflexão é estimulada sobre possibilidades de lidar de forma mais harmônica com o stress e experiências traumáticas. (g.n.)

Portanto, é perceptível que a Arteterapia não é uma profissão, mas uma prática integrativa e complementar ao exercício profissional, não sendo, dessa forma, possível acatar as recomendações da UBAAT, por falta de fundamentação legal para tanto e por não possuir competência legal para regulamentar o exercício de uma atividade que não se confunde com profissão.

 

III. CONCLUSÃO

Com base no exposto, conclui-se que:

1. A UBAAT não possui competência legal para estabelecer carga horária mínima obrigatória para cursos de pós-graduação ou especialização em Arteterapia, pois tal prerrogativa pertence ao Ministério da Educação (MEC), nos termos da LDB.

2. A exigência de 520 horas para cursos de pós-graduação ou especialização em Arteterapia, defendida pela UBAAT por meio da Nota Técnica 001/2023 UBAAT, constitui mera recomendação, sem caráter obrigatório ou coercitivo, caminhando em sentido contrário à Resolução MEC nº 1/2018 que, em seu art. 7º, inciso I, estabelece carga horária mínima de 360 (trezentos e sessenta) horas para cursos de pós-graduação lato sensu.

3. A Resolução COFEN nº 739/2024, ao autorizar o profissional de enfermagem a atuar em Arteterapia, desde que devidamente capacitado, não está vinculada às exigências da UBAAT, não havendo qualquer obstáculo a manutenção de carga horária mínima de 120 (cento e vinte) horas necessárias para atuação regular do profissional de enfermagem.

4. Recomenda-se ao COFEN manter sua autonomia na definição de critérios de capacitação para os enfermeiros em cursos livres, mantendo incólume a Resolução Cofen nº 739/2024, por estar em consonância com a legislação pátria.

 

Este é o parecer, salvo melhor juízo.

 

Dr. Antonio Francisco Luz Neto – Coren-PI
Coordenador da CTLN

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior Cadastrado e-MEC. Disponível em: https://emec.mec.gov.br/emec/nova. Acesso em: 18 dez. 2024.

BRASIL. Lei nº 5.905, de 12 de julho de 1973, que dispõe sobre a criação dos Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem e dá outras providências. Disponível em: www.portalcofen.gov.br. Acesso em: 17 dez. 2024.

BRASIL. Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o Exercício profissional da Enfermagem, e dá outras providências. Disponível em: www.portalcofen.gov.br. Acesso em: 17 dez. 2024.

BRASIL. Decreto nº 94.406, de 08 de junho de 1987, que regulamenta a Lei nº 7.498 de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o Exercício profissional da Enfermagem, e dá outras providências. Disponível em: www.portalcofen.gov.br. Acesso em: 17 dez. 2024.

BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em 17 dez. 2024.

BRASIL. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução COFEN nº 739, de 05 de fevereiro de 2024, que normatiza a atuação da enfermagem nas práticas integrativas e complementares em saúde. Disponível em: www.portalcofen.gov.br. Acesso em: 17 dez. 2024.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 849, de 27 de março de 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0849_28_03_2017.html. Acesso em: 18 dez. 2024.

 

Documento assinado eletronicamente por:

Dr. Antônio Francisco Luz Neto – Coren-PI 313.978- ENF, Coordenador(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 19/12/2024.

Dra. Cleide Mazuela Canavezi – Coren-SP 386.882-ENF, Membro(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 19/12/2024.

Dra. Eduarda Ribeiro dos Santos, Coren-SP 83.115-ENF, Membro(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 19/12/2024.

Dr. Jebson Medeiros de Sousa – Coren-RJ 319.539-ENF, Coren-AC 95.621 – ENF, Membro(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 19/12/2024.

Dr. Osvaldo Albuquerque Sousa Filho – Coren-CE 56.145-ENF, Membro(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 19/12/2024.

Dr. Rui Alvares de Faria Júnior – Coren-RN 153.041-ENF, Membro(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 19/12/2024.

 

Parecer aprovado na 573ª Reunião Ordinária de Plenário (ROP), em 22 de janeiro de 2025.

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