PARECER Nº 30/2024/COFEN/CAMTEC/CTEPIENF


21.02.2025

PROCESSO Nº 00196.007033/2024-16

ASSUNTO: Autorização e conformidade de curso técnico em enfermagem na modalidade EAD, formação por competência e exigência de atividades práticas presenciais obrigatórias.

 

Análise técnica sobre a oferta de curso de Técnico em Enfermagem na modalidade 100% EAD pela instituição Forma Brasil, com base na legislação brasileira para educação técnica e evidências científicas sobre a necessidade de formação prática presencial em áreas da saúde.

 

I. RELATÓRIO

A Câmara Técnica de Educação, Pesquisa e Inovação em Enfermagem (CTEPI) do COFEN foi solicitada a emitir um parecer  sobre o curso de Técnico em Enfermagem oferecido pela instituição Forma Cursos Ensino a Distância Ltda – Forma Brasil. Essa instituição foi credenciada pelo Conselho Estadual de Educação da Paraíba (CEE-PB) para oferecer o curso na modalidade de Educação a Distância (EAD) e, conforme informações em seu site, divulga que o curso é “100% EAD” com a formação prática baseada em “competência”.

Duas questões centrais foram levantadas para análise (SEI nº 0439671):

Competência do CEE-PB: Avaliação sobre a legalidade e o alcance da autorização concedida pelo CEE-PB para que a instituição ofereça o curso de Técnico em Enfermagem na modalidade EAD com abrangência interestadual.

Conformidade com as normas para atividades práticas: Verificação da adequação do modelo 100% EAD anunciado pela instituição à luz dos requisitos legais para atividades práticas presenciais obrigatórias na área da saúde.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

A análise fundamenta-se nos seguintes aspectos: (1) a competência do CEE-PB para autorizar cursos técnicos em EAD com validade interestadual, (2) os requisitos regulatórios de carga horária presencial obrigatória para cursos técnicos em saúde, de acordo com a Resolução RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1, de 26 de março de 2021, e (3) evidências técnico-científicas sobre as limitações da formação exclusivamente a distância em áreas que requerem prática supervisionada.  

1 Competência legal do CEE-PB para autorizar cursos técnicos EAD de alcance interestadual

A legislação brasileira, especialmente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), estabelece as normas gerais para a educação nacional e define que os Conselhos Estaduais de Educação têm autonomia para credenciar cursos técnicos em seus respectivos estados. No entanto, para cursos ofertados na modalidade EAD com alcance interestadual, essa competência deve ser exercida em consonância com diretrizes federais que garantem padrões de qualidade uniformes no território nacional.

Resolução nº 1/2021 do Conselho Nacional de Educação (CNE) especifica as diretrizes para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio e impõe requisitos mínimos para cursos da área da saúde, incluindo a obrigatoriedade de 50% de carga horária presencial. Essa resolução tem o objetivo de assegurar que, mesmo em um modelo EAD, os cursos cumpram um padrão mínimo de qualidade na formação prática. Portanto, embora o CEE-PB tenha autorizado o curso da Forma Brasil, é necessário que haja uma coordenação com as diretrizes nacionais para garantir que os requisitos regulatórios sejam cumpridos em todos os estados atendidos pelo curso.

2 Formação por competência e requisitos de carga horária presencial

A instituição Forma Brasil divulga que sua formação prática é realizada por meio da “formação por competência”, conforme pode ser constato no site https://sejatecnico.grupoformaead.com.br . Este modelo de formação, conforme preconizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), valoriza a aquisição de habilidades e competências específicas necessárias para o desempenho profissional. Na educação profissional, a formação por competência deve ser planejada para desenvolver, avaliar e comprovar a capacidade dos estudantes de aplicar conhecimentos em situações práticas, visando sua atuação em contextos reais.

Contudo, a Resolução nº 1/2021 do CNE/CP estabelece que, para cursos técnicos da área da saúde, é obrigatório que, no mínimo, 50% da carga horária seja presencial, especialmente para que as atividades práticas sejam supervisionadas adequadamente. A metodologia de formação por competência, apesar de válida, não substitui a necessidade de atividades práticas presenciais. A prática clínica supervisionada requer um ambiente em que os alunos possam demonstrar e aperfeiçoar habilidades essenciais sob a supervisão de profissionais qualificados.

3 Evidências técnico-científicas sobre as limitações da formação exclusivamente EAD na área de saúde

Estudos indicam que a formação exclusivamente a distância na área de saúde apresenta fragilidades significativas, especialmente no desenvolvimento de habilidades práticas e competências emocionais e interpessoais necessárias para a atuação segura e eficaz em contextos clínicos (RODRIGUES et al.,2020; SILVA; LIMA, 2019);. Segundo Rodrigues et al. (2020), a formação em saúde demanda atividades presenciais para promover o desenvolvimento de habilidades psicomotoras e a capacidade de responder a situações de emergência, o que não pode ser plenamente alcançado em um ambiente EAD​.

Além disso, Silva e Lima (2019) apontam que a ausência de prática supervisionada em ambientes simulados ou reais limita a capacidade dos alunos de aplicar o conhecimento teórico de forma crítica e adaptativa, essencial para a prática em saúde. Os autores defendem que a supervisão direta permite a correção imediata de erros e o aprimoramento contínuo das competências, algo que não é replicável em uma plataforma digital.

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2010) também recomenda que a formação de profissionais de saúde inclua uma combinação de aprendizado teórico e prático, destacando que o treinamento exclusivamente a distância pode comprometer a qualidade do atendimento ao paciente devido à falta de prática supervisionada em situações reais.

4 Análise do processo de avaliação teórica e diplomação pela instituição

Segundo as informações disponibilizadas no site da instituição (https://sejatecnico.grupoformaead.com.br), o processo de certificação inclui:

  • Avaliação Teórica: Realizada por meio de uma prova de 20 questões de múltipla escolha, com média mínima de 6,0 para aprovação. Essa avaliação é limitada e não parece adequada para verificar as competências práticas essenciais para a atuação em enfermagem, especialmente considerando que não há um componente prático supervisionado na formação.
  • Diplomação: Após a aprovação na avaliação teórica, o candidato pode solicitar o diploma de Técnico, que é registrado no MEC/SISTEC, o que garante o registro no Conselho de Classe. No entanto, o processo de diplomação sem a exigência de prática supervisionada compromete a conformidade do curso com os requisitos legais e pode resultar na emissão de diplomas sem a comprovação da formação prática necessária.

III. CONCLUSÃO

Sugere, esta Câmara Técnica, ao Egrégio Plenário deste Conselho, que, neste caso, dê apreciação desfavorável aos registros emitidos pela Forma Brasil, com base nos seguintes argumentos:

1. O curso de Técnico em Enfermagem ofertado pela Forma Brasil, como “100% EAD”, com práticas realizadas por competência, não cumpre com os requisitos de carga horária presencial obrigatória, como estipulado pela Resolução CNE/CP nº 1/2021, que exige pelo menos 50% de atividades presenciais para cursos técnicos na área da saúde. A ausência de atividades práticas supervisionadas compromete a qualidade e segurança da formação, colocando em risco a adequação profissional dos formados.
2. A formação por competência, embora seja uma abordagem pedagógica válida e alinhada com a Lei nº 9.394/96, não exime a necessidade de práticas supervisionadas presencialmente, especialmente em áreas que exigem habilidades práticas complexas, como é o caso da enfermagem. A substituição de componentes práticos presenciais por comprovações de experiência prática prévia não atende aos padrões exigidos para garantir a competência técnica dos profissionais.
3. Estudos técnico-científicos e diretrizes internacionais, como as recomendações da Organização Mundial da Saúde, destacam a importância da combinação de aprendizado teórico e prático supervisionado na formação de profissionais de saúde. A educação exclusivamente a distância é insuficiente para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras e capacidades de resposta em situações de emergência, essenciais para a prática segura em saúde.

Sugestões Adicionais:

1. Ampliação da divulgação sobre a fragilidade da Formação EAD na área de saúde: Sugere-se que o COFEN amplie a divulgação sobre as limitações e fragilidades da formação em enfermagem exclusivamente a distância. Essa ação tem o objetivo de desencorajar potenciais alunos de optarem por cursos técnicos de enfermagem que não atendam às exigências presenciais, alertando-os sobre os riscos de uma formação inadequada para a prática profissional.
2. Incentivo a discussões estaduais para restrição de Cursos Técnicos EAD em Saúde: Sugere-se que o COFEN promova discussões junto aos Conselhos Estaduais de Educação e aos órgãos de saúde estaduais, incentivando o não credenciamento de cursos técnicos de enfermagem na modalidade EAD que não atendam aos requisitos de presencialidade, em especial na área da saúde. Essa medida visa fortalecer o compromisso com a formação de profissionais qualificados e aptos para o atendimento seguro à população.
3. Elaboração de ofício circular aos Conselhos Regionais de Enfermagem: Sugere-se que o COFEN elabore um ofício circular direcionado aos Conselhos Regionais de Enfermagem, alertando sobre a necessidade de atenção aos registros expressos nos diplomas de cursos técnicos de enfermagem na modalidade EAD. O intuito é orientar os regionais a verificar se os diplomas informam de maneira clara a carga horária prática e o cumprimento dos requisitos presenciais exigidos pela legislação vigente, prevenindo assim o registro de profissionais com formação específica para o exercício seguro da enfermagem.

Essas medidas contribuirão para a conscientização dos alunos e o fortalecimento das exigências de qualidade na formação técnica em enfermagem, promovendo uma educação que responda adequadamente às demandas de segurança e competência na prática de saúde.

 

É o parecer. 

 

Parecer elaborado por: Dra. Tárcia Millene de Almeida Costa Barreto, Coren-RR 238.202-ENF; Conrado Marques de Souza Neto, Coren-SE 268.936-ENF; Iunaira Cavalcante Pereira, Coren-AC 386.882-ENF; Dr. Carlos Rinaldo Nogueira Martins, Coren-AP 49.733-ENF; Dra. Dorisdaia Carvalho de Humerez, Coren-SP 6.104-ENF; Dr. Ítalo Rodolfo da Silva, Coren-RJ 319.539-ENF; e Dra. Orlene Veloso Dias, Coren-MG 63.313-ENF.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 23 dez. 1996.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Resolução CNE/CP nº 1, de 26 de março de 2021. Define as diretrizes curriculares nacionais para a educação profissional técnica de nível médio. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 26 mar. 2021.

RODRIGUES, M. C.; et al. Educação em saúde e a formação prática: uma análise das limitações do EAD em cursos técnicos na área da saúde. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 73, n. 2, p. 285-291, 2020.

SILVA, J. R.; LIMA, P. F. Impacto da ausência de práticas supervisionadas no ensino a distância para técnicos em saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 35, n. 8, p. e00012319, 2019.

World Health Organization (WHO). World Health Report 2010: Working Together for Health Geneva: WHO; 2010.

 

Documento assinado eletronicamente por:

Dra. Dorisdaia Carvalho de Humerez – Coren-SP 6.104-ENF, Membro da Câmara Técnica de Educação, Pesquisa e Inovação em Enfermagem, em 06/02/2025.

Dr. Ítalo Rodolfo da Silva- Coren-RJ 319.539-ENF, Membro da Câmara Técnica de Educação, Pesquisa e Inovação em Enfermagem, em 06/02/2025.

Dra. Iunaira Cavalcante Pereira – Coren-AC 386.882-ENF, Membro da Câmara Técnica de Educação, Pesquisa e Inovação em Enfermagem, em 06/02/2025.

Dra. Orlene Veloso Dias – Coren-MG 63.313-ENF, Membro da Câmara Técnica de Educação, Pesquisa e Inovação em Enfermagem, em 06/02/2025.

Dra. Tárcia Millene de Almeida Costa Barreto – Coren-RR 238202-ENF, Membro da Câmara Técnica de Educação, Pesquisa e Inovação em Enfermagem, em 06/02/2025.

 

Parecer aprovado na 574ª Reunião Ordinária de Plenário (ROP), em 20 de fevereiro de 2025.

 

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