PARECER Nº 14/2025/CÂMARAS TÉCNICAS DE ENFERMAGEM


09.04.2025

PROCESSO Nº 00196.008285/2024-62 
ELABORADO POR: CÂMARA TÉCNICA DE LEGISLAÇÃO E NORMAS DE ENFERMAGEM
 

ASSUNTO: COMPOSIÇÃO DE EQUIPE MILTIPROFISSIONAL PARA ATUAÇÃO EM EQUIPE DE ATENDIMENTO A PESSOAS QUE FAZEM USO DE CANNABIS E OUTRAS DROGAS
 

  Parecer Técnico sobre à composição de equipe multiprofissional para atuação em equipe de atendimento a pessoas que fazem uso de cannabis e outras drogas.

 

1 INTRODUÇÃO

Trata-se de uma manifestação encaminhada via Protocolo, por meio do Memorando nº 22/2025, assinado pela Coordenadora de Gestão de Atenção Psicossocial – SAES do Ministério da Saúde.

Questiona-se sobre a composição de uma equipe com profissionais de enfermagem, mais especificamente, profissionais com formação de nível superior (enfermeiras). O Ministério da Saúde e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (SENAD) do Ministério da Justiça encontram-se em processo de discussão acerca da composição de uma equipe para atuar em um dispositivo de atendimento a pessoas que fazem uso de cannabis e outras drogas.

A referida equipe será multiprofissional, composta por profissionais da saúde e da justiça, com o objetivo de realizar uma avaliação psicossocial de cada caso, elaborar um plano individual de acompanhamento e realizar os devidos encaminhamentos para as redes de atenção (SUS e SUAS).

Destaca-se que não caberá a esta equipe realizar qualquer tipo de procedimento ou intervenção de natureza técnica de enfermagem e que não haverá um “serviço de enfermagem” nem a presença de técnicos ou auxiliares de enfermagem, sendo prevista apenas a atuação de enfermeiro.

A solicitante entende que, de acordo com a Resolução COFEN nº 678/2021, que aprova a atuação da Equipe de Enfermagem em Saúde Mental e em Enfermagem Psiquiátrica, é possível incluir o profissional enfermeiro com especialização em saúde mental na referida equipe.

 

2 FUNDAMENTAÇÃO E ANÁLISE 

Para embasar essa compreensão, a Lei do Exercício Profissional Nº 7.498/1986 e seu Decreto regulamentador Nº 94.406/1987, que explicitam as atividades dos Enfermeiros, Técnicos de Enfermagem e dos Auxiliares de Enfermagem e o desempenho de suas funções, impõe-se a qualificação com bases em critérios técnicos científicos.

De acordo com o World Drug Report 2024, mais de 292 milhões de pessoas em todo o mundo utilizaram drogas em 2022, representando um aumento de 20% em comparação com a década anterior. A cannabis continua sendo a substância mais consumida globalmente, com aproximadamente 228 milhões de usuários, seguida pelos opioides (60 milhões), anfetaminas (30 milhões), cocaína (23 milhões) e ecstasy (20 milhões) (WHO, 2024).

O relatório destaca a evolução das abordagens legislativas em relação à cannabis. Até janeiro de 2024, o Canadá, o Uruguai e 27 jurisdições dos Estados Unidos já haviam regulamentado a produção e comercialização da cannabis para uso não medicinal, enquanto outras partes do mundo adotaram diferentes abordagens legais para o tema (WHO, 2024).

O documento enfatiza o direito à saúde como um princípio fundamental e universal dos direitos humanos, aplicável a todas as pessoas, independentemente do histórico de uso de drogas ou de situações como privação de liberdade, detenção ou condenação penal. Esse direito se estende igualmente às famílias e comunidades envolvidas (WHO, 2024).

Em algumas regiões das Américas onde a regulamentação da cannabis foi implementada, observou-se uma diversificação de produtos, muitos deles com alta concentração de THC. Paralelamente, houve um aumento nas hospitalizações relacionadas a transtornos associados ao uso da substância, além do crescimento de diagnósticos de distúrbios psiquiátricos e tentativas de suicídio associadas ao uso regular, especialmente entre jovens adultos no Canadá e nos Estados Unidos (WHO, 2024).

No contexto brasileiro, o uso pessoal da Cannabis sativa, embora permaneça um ato ilícito, somente está sujeito a sanções administrativas, como advertência sobre os efeitos da droga e a obrigatoriedade de comparecimento a programas ou cursos educativos, conforme previsto no artigo 28 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) (SFT – RE n° 635659). Essas medidas têm como objetivo principal promover a conscientização e a prevenção, abordando os riscos e consequências associados ao uso da substância, além de buscar a reintegração social e a redução de danos, em vez de priorizar a punição criminal. A abordagem educativa reflete uma perspectiva mais humanizada e focada em saúde pública, visando informar o cidadão e reduzir o impacto social do uso de substâncias psicoativas.

A iniciativa de formação de uma equipe multiprofissional para o atendimento de pessoas que fazem uso de drogas que tenha como objetivo a avaliação psicossocial individualizada de cada caso, a elaboração de um plano de acompanhamento personalizado e a realização dos devidos encaminhamentos às redes de atenção, como o SUS e o SUAS, promovendo cuidado contínuo, eficaz e alinhado às necessidades de cada pessoa é essencial para garantir uma abordagem completa e humanizada.

A composição de uma equipe multiprofissional com especialidades diversas é fundamental para garantir uma abordagem integral no atendimento às pessoas, especialmente em contextos complexos como o cuidado de indivíduos que fazem uso de cannabis e outras drogas. A diversidade de formações e habilidades permite uma avaliação mais ampla das necessidades biopsicossociais, considerando não apenas os aspectos clínicos e psicossociais, mas também os determinantes sociais e contextuais que influenciam a saúde.

Profissionais de diferentes áreas, como saúde, assistência social e justiça, contribuem com perspectivas complementares, promovendo a construção de planos de cuidado mais completos e individualizados. Essa colaboração interdisciplinar fortalece a qualidade do atendimento, evita a fragmentação do cuidado e assegura que as decisões sejam tomadas de forma coletiva, respeitando as competências e limites de cada profissão, o que resulta em melhores desfechos para os usuários e a garantia de seus direitos.

A participação do enfermeiro nesta equipe multiprofissional supracitada é de extrema importância, considerando sua formação técnica e humanística voltada para a promoção, prevenção e recuperação da saúde.

O enfermeiro, especialmente aquele com especialização em saúde mental, possui habilidades para realizar a escuta qualificada, acolhimento, identificação de necessidades psicossociais e elaboração de planos de cuidado individualizados, promovendo uma abordagem integral e humanizada ao paciente. Além disso, sua atuação contribui para a articulação entre os diferentes níveis de atenção, como o SUS e o SUAS, facilitando o encaminhamento adequado e o acompanhamento contínuo, sempre respeitando os princípios éticos e as diretrizes das políticas públicas de saúde e direitos humanos.

Nesse diapasão, a Resolução COFEN nº 678/2021 normatiza a atuação de enfermeiros em saúde mental e psiquiátrica, permitindo sua participação em equipes multiprofissionais em contextos de saúde mental. De acordo com o artigo 2º, o enfermeiro que atua nessas equipes deve, preferencialmente, possuir especialização em Saúde Mental, Enfermagem Psiquiátrica ou Atenção Psicossocial, o que está em consonância com o propósito de avaliação psicossocial e encaminhamentos descritos no questionamento apresentado.

As competências do enfermeiro especialista, descritas no item 1.2 da referida resolução, incluem, entre outras, o gerenciamento de unidades de saúde mental, a condução de grupos terapêuticos, o apoio matricial e a participação em processos de educação permanente. Essas atribuições reforçam a adequação da presença de enfermeiros especializados na equipe proposta trazida pela consulente.

Com base na Resolução COFEN nº 678/2021, a equipe de enfermagem envolvida na atenção à Saúde Mental e Psiquiátrica é composta por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, conforme estabelecido pela Lei nº 7.498/1986 e pelo Decreto nº 94.406/1987, os quais regulamentam o exercício profissional da enfermagem no Brasil. No entanto, entende-se que, em equipes multiprofissionais voltadas à avaliação psicossocial e planejamento de cuidados, como a descrita na manifestação, não há exigência normativa para a inclusão obrigatória de profissionais de nível médio, uma vez que a presença de enfermeiros especializados Saúde Mental, Enfermagem Psiquiátrica ou Atenção Psicossocial já atende às necessidades técnicas e normativas previstas, considerando o foco em ações de avaliação, planejamento e encaminhamento, sem realização de procedimentos diretos de enfermagem.

 

3. CONCLUSÃO

Nesse sentido, embasada no devido alicerce legal e após a discussão apurada, conclui-se que a inclusão do enfermeiro, inscrito no conselho de sua jurisdição e, preferencialmente, com especialização em Saúde Mental, Enfermagem Psiquiátrica ou Atenção Psicossocial na equipe multiprofissional destinada à avaliação psicossocial de pessoas que fazem uso de cannabis e outras drogas está em conformidade com a legislação vigente, especialmente a Lei nº 7.498/1986, o Decreto nº 94.406/1987 e a Resolução COFEN nº 678/2021. A atuação desse profissional é legalmente adequada e tecnicamente fundamentada, considerando sua qualificação para a escuta qualificada, acolhimento, identificação de necessidades psicossociais e participação na elaboração de planos de cuidado individualizados, alinhando-se ao propósito da equipe descrita na manifestação.

Recomenda-se a realização de protocolos institucionais claros e específicos que regulamentem as atribuições e competências do enfermeiro nesse contexto, detalhando os critérios para a atuação, os fluxos de atendimento, a documentação exigida e a integração com os demais profissionais da equipe multiprofissional, de forma a assegurar a padronização, a segurança e a qualidade no cuidado prestado.

 

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei 7498/ 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7498. Acesso em 14 de janeiro de 2024.

______. Decreto nº 94.406 de 08 de junho de 1987. Regulamenta a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da enfermagem, e dá outras providências. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto94406-8-junho-1987-444430-norma-pe.html. Acesso em 14 de janeiro de 2024.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução COFEN nº 678, de 19 de agosto de 2021. Aprova a atuação da Equipe de Enfermagem em Saúde Mental e em Enfermagem Psiquiátrica. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 162, 26 ago. 2021. Disponível em: https://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-678-2021/. Acesso em: 14 jan. 2025.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Recurso Extraordinário n° 635659, Relator: Ministro Gilmar Mendes. Repercussão Geral reconhecida no Tema 506. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4034145&numeroProcesso=635659&classeProcesso=RE&numeroTema=506. Acesso em: 14 jan. 2025.

UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME (UNODC). World Drug Report 2024. Viena: UNODC, 2024. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/WDR_2024/languages/2412493S.pdf. Acesso em: 14 jan. 2025.

Parecer elaborado e discutido por: Dra. Eduarda Ribeiro dos Santos, Coren-SP 83.115-ENF; Dra. Cleide Mazuela Canavezi, Coren-SP 12.721-ENF; Dr. Antônio Francisco Luz Neto, Coren-PI 313.978-ENF; Dr. Jorge Domingos de Sousa Filho, Coren-RO 111.710-ENF; Dr. Rui Alvares de Faria Júnior, Coren-RN 153.041-ENF; Dr. Jebson Medeiros de Sousa, Coren- AC 95.621-ENF.

Parecer aprovado na 575ª Reunião Ordinária de Plenário em 21 de março de 2025.

 

Documento assinado eletronicamente por: 

Dr. Antônio Francisco Luz Neto – Coren-PI 313.978- ENF, Coordenador(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 04/04/2025.

Dra. Cleide Mazuela Canavezi – Coren-SP 386.882-ENF, Membro(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 04/04/2025.

Dr. Rui Alvares de Faria Júnior – Coren-RN 153.041-ENF, Membro(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 04/04/2025.

Dra. Eduarda Ribeiro dos Santos, Coren-SP 83.115-ENF, Membro(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 07/04/2025.

Dr. Jebson Medeiros de Sousa – Coren-RJ 319.539-ENF, Coren-AC 95.621 – ENF, Membro(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 07/04/2025.

Dr. Jorge Domingos de Sousa Filho, Coren-RO 111.710-ENF, Membro(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 08/04/2025.

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