‘Fui guardiã de uma vida’, diz enfermeira que transportou sangue raro

Transplante salvou a vida de um bebê na Colômbia. Apenas 11 famílias no Brasil tem fenótipo Bombaim, também conhecido como falso O.

14.07.2017

Após 11 horas de viagem, sangue raro chega em Bogotá, na Colômbia, levado por Natalícia (centro)

“Ser guardiã de uma vida foi uma experiência incrível, fantástica”. É com esse entusiasmo que a enfermeira Natalícia Azevedo, do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce), inicia o relato ao G1 sobre o transporte de uma bolsa de sangue de tipo extremamente raro que salvaria a vida de um bebê de Medellin, na Colômbia.

Coube à enfermeira a responsabilidade de levar a bolsa de Fortaleza até Bogotá, capital da Colômbia, em um percurso de mais de 4 mil quilômetros em 11 horas de viagem em três voos comerciais no fim de semana passado. Foi a primeira vez que o Brasil doou sangue raro a um paciente que estava fora do país, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

O sangue transportado é de um tipo raro chamado “hh” ou fenótipo Bombaim. A paciente que recebeu a doação é uma menina de um ano e dois meses que apresentava sangramento digestivo grave e precisava de transfusão urgente. Pessoas com esse tipo de sangue só podem receber doação de outras que tenham o mesmo tipo sanguíneo. O fenótipo Bombaim não tem o antígeno H nas células vermelhas do sangue. Também é conhecido como “falso O”, o grupo sanguíneo de Bombaim não tem antígeno ABO nem H.

Mas antes desse transporte era necessário remover obstáculos. O primeiro deles foi obter autorização do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para transportar o sangue. “Sangue não pode ser transportado sem autorização. Além disso, a bolsa precisa estar acondicionada em uma caixa hermética em temperatura ideal e constante. Também não pode passar pelo raio-x das esteiras de bagagem”, diz a diretora do Hemoce Luciana Carlos.

Como o tempo e as condições de transporte eram fatores importantes a serem considerados – tanto para garantir a qualidade do sangue como pela urgência da transfusão – optou-se por um ‘courier’, ou seja, uma pessoa que acompanhasse o transporte. A escolhida foi a enfermeira Natalícia Azevedo, de 42 anos. “Ela apresentou todas as condições para realizar a tarefa. Além do conhecimento técnico, estava com passaporte e vacinas em dia”, explica Luciana.

Natalícia saiu de Fortaleza na segunda-feira em um voo para São Paulo. Daí seguiu para o Panamá e, em seguida, para a Colômbia. “Todas as pessoas que cruzaram o meu caminho neste percurso fizeram o máximo para facilitar esse transporte. Foi emocionante ouvir promessas de orações para que tudo corresse bem e o sangue chegasse ao destino em perfeito estado. Na última etapa, a empresa adiantou o meu voo em quatro horas para que eu pudesse chegar mais rápido”, conta.

Preparação – O processo de identificação do doador, captação, realização de exames obrigatórios no sangue coletado e o transporte até a Colômbia foi feito em dois dias. Quem conta é Luciana. “No fim da tarde de sexta-feira (7), recebemos comunicado da coordenação do Sangue do Ministério da Saúde sobre essa demanda da Colômbia confirmada, no sábado (8), pela Opas”.
A etapa seguinte era localizar o doador. No Banco de Sangue do Hemoce estão registrados quatro pessoas com esse tipo sanguíneo, uma delas impossibilitada de doar por problemas de saúde. “O doador mais próximo era esse jovem de 23 anos que mora em um município distante cerca de 100 quilômetros de Fortaleza que, imediatamente, de dispôs a vir até Fortaleza onde o sangue foi coletado. No fim, a bolsa de sangue chegou a Bogotá 11 horas após o embarque em Fortaleza. De lá seguiu para a cidade de Medellin onde foi realizada a transfusão nesta quarta-feira (12)”.

Sangue raro – A legislação que rege a doação de sangue no Brasil não permite que o doador seja identificado. Por ter um tipo sanguíneo extremamente raro – presente em 11 famílias no Brasil – ele não pode fazer doações regulares, para estar disponível em caso de necessidade como o desse bebê colombiano.

Ser deficiente para a enzima H não causa doença, mas se uma transfusão sanguínea for necessária, pessoas com fenótipo Bombaim podem receber sangue apenas de outros doadores que também são deficientes para a enzima H. Muito raro, na Índia a prevalência desse fenótipo é de um a cada 10 mil e, na Europa, um a cada um milhão.

Doação de Sangue – A doação dura cerca de uma hora e não traz riscos à saúde. A medula repõe o sangue retirado em até 2 meses nos homens e em 3 meses nas mulheres. Cada bolsa de sangue, com 400 ml, é capaz de salvar até quatro vidas. Entre os beneficiados, estão vítimas de acidentes, transplantados e pacientes com problemas de coagulação.

Os glóbulos vermelhos (eritrócitos ou hemácias) têm uma identidade que permite a classificação do sangue em A, B, AB e O. No Brasil, os grupos mais comuns são o O e o A, que abrangem 87% da população. O tipo sanguíneo também é identificado pelo fator Rh positivo ou negativo. Cerca de 85% das pessoas têm Rh positivo. O B responde por 10% e o AB, por apenas 3%. Japoneses, por exemplo, têm mais sangue B. O Hemoce do Ceará precisa de todos os tipos sanguíneos, especialmente o tipo O, que é considerado doador universal e, portanto é o mais utilizado.

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