PARECER DE CONSELHEIRO FEDERAL Nº 101/2020/COFEN

Ementa: Atuação dos profissionais de Enfermagem perante pacientes detentos/presidiários que precisam de internação por conta do Covid-19 e que não estão sob escolta/vigilância/proteção policial. Possibilidade de recusa.

05.10.2020

PROCESSO ADMINISTRATIVO COFEN Nº 0585/2020
CONSELHEIRO FEDERAL: MANOEL CARLOS NERI DA SILVA
PARECER DE CONSELHEIRO FEDERAL Nº 101/2020/COFEN – EM PEDIDO DE VISTAS

 

Profissionais de Enfermagem. Pacientes detentos/presidiários que precisam de internação por conta do Covid-19 e que não estão sob escolta/vigilância/proteção policial. Possibilidade de recusa.

 

I. HISTÓRICO

Trata-se de consulta realizada pelo Coren-BA em relação a como proceder com pacientes apenados que necessitam de internação no período da emergência internacional de saúde pública provocado pelo novo coronavírus e que estão ficando sem escolta/vigilância/proteção policial.

Relata o regional baiano que vem recebendo consultas de profissionais de enfermagem que relatam vários episódios desta natureza, gerando insegurança à equipe de enfermagem, por se tratar de pacientes custodiados, existindo risco presumido.

Relata ainda que tais acontecimentos tem ocorrido apenas no período de pandemia, uma vez que os policiais têm alegado o não recebimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e nem treinamento para a atual situação sanitária.

Diante deste quadro os profissionais de enfermagem questionam sobre a possibilidade de afastamento da obrigatoriedade de prestarem assistência a estes pacientes presos sem custódia do Estado, sem algemas e sem policiamento, visto que na maioria dos casos, não se tratam de pacientes com risco de morte.

Instada a se manifestar a procuradoria jurídica do Coren-BA concluiu o parecer pela necessidade do Coren-BA encaminhar ofício À Secretaria de Segurança Pública do Estado, Corregedoria da Polícia, Ministério Público e Ministério Público do Trabalho, relatando as denúncias recebidas pelo Regional, juntamente com relatório de fiscalização comprovando a veracidade e a extensão dos relatos. Recomendou ainda a análise da questão pelas Câmaras Técnicas do Coren-BA. Sugere ainda o encaminhamento de consulta ao Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) para emissão de parecer, ante a complexidade da questão. Destaca-se que a exceção desta da última medida sugerida, não há informações nos autos de que o Coren-BA tenha adotado qualquer outra medida sugerida no mencionado parecer jurídico.

No âmbito do Cofen, a consulta foi encaminhada ao Departamento de Gestão do Exercício Profissional (DGEP) para manifestação, que por sua vez remeteu à Procuradoria Geral do Cofen (PROGER) com um pedido de parecer jurídico, que consta às fls.11-22 dos autos.

O processo foi apreciado pelo Plenário do Cofen no transcurso da 13ª Reunião Extraordinária do Plenário (REP), ocasião em que requisitei e foi deferido vistas ao processo.

 

II- ANÁLISE

O Decreto nº 12.247, de 08 de julho de 2010, que aprova o Estatuto Penitenciário da Bahia, dispõe no art. 32 que: “As saídas dos presos, com escolta, serão autorizadas e normatizadas pela Superintendência de Assuntos penais e, na ausência deste procedimento, pela direção da unidade, e ocorrerão nas seguintes circunstâncias:

IV- Se necessitar de procedimentos alusivos à área de saúde (…);
Art. 35- (…)
§ 2º- A Direção levará em conta, para deliberar, a real necessidade do atendimento e as garantias das condições de vigilância do interno e de segurança do mesmo, da escolta e da sociedade.

Resta claro que segundo as normas que regem o próprio sistema prisional baiano, não é admissível a presença de presos ou detentos em instituições de saúde fora do sistema prisional, sem escolta/vigilância ou mesmo o uso de algemas, conforme relatado na consulta do Coren-BA. É responsabilidade do Sistema Prisional/Governo do Estado, a adoção destas providências para garantia da segurança do preso/detento e da equipe de saúde, bem como o treinamento dos seus agentes e fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), para o enfrentamento da emergência global de saúde pública provocada pelo novo coronavírus.

Sem sombra de dúvidas o atendimento de presos sem qualquer acompanhamento ou escolta por parte dos agentes do Estado responsáveis por tais procedimentos, representa risco potencial à segurança dos profissionais de enfermagem, dos demais profissionais de saúde e dos próprios pacientes.

O artigo 2º, capítulo I, dos direitos, do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (CEPE), aprovado pela Resolução Cofen nº 564/2017 dispõe que: “ Exercer atividades em locais de trabalho livre de riscos e danos e violências física e psicológica à saúde do trabalhador, em respeito à dignidade da pessoa humana e à proteção dos direitos dos profissionais de enfermagem”. Ainda, o art. 13 do mesmo diploma legal, garante o direito aos profissionais de enfermagem de ¨suspender as atividades, individuais ou coletivas, quando o local de trabalho não oferecer condições seguras para o exercício profissional e/ou desrespeitar a legislação vigente, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo formalizar imediatamente sua decisão por escrito, ou por meio de correio eletrônico à instituição e ao Conselho Regional de Enfermagem¨.

Ainda recorrendo ao CEPE, na cessão dos direitos, o art. 23 reforça ser direito dos profissionais de enfermagem ¨requerer junto ao gestor a quebra do vínculo da relação profissional/usuários quando houver risco à sua integridade física e moral, comunicando ao Coren e assegurando a continuidade da assistência de enfermagem”.

Apesar do CEPE assegurar aos profissionais de enfermagem o direito de exercer a profissão em ambientes seguros, com proteção a sua integridade física e moral, para a quebra de vínculo profissional/usuário na assistência a pacientes sob a custódia do Estado (presidiários/detentos…), é preciso a comprovação de que não há condições mínimas de segurança para o profissional, sempre comunicando à instituição de saúde e ao Coren, ressalvados em todas as hipóteses o atendimento às situações de urgência e emergência (art. 76 do CEPE) e a continuidade da assistência àqueles pacientes que já estejam sob os seus cuidados (art. 23 do CEPE). Também deve ser observado o dever de prestar assistência de enfermagem sem discriminação de qualquer natureza, nos termos do art. 41 do CEPE.

 

III. CONCLUSÃO

Ante o exposto e em resposta a consulta realizada pelo Coren-BA, concluo que assiste o direito aos profissionais de enfermagem solicitarem a quebra do vínculo profissional/ usuário no caso de risco iminente à sua segurança/integridade física, provocado por detentos/presidiários sem a devida escolta e/ou vigilância quando internado em instituições de saúde, devendo ser observado em qualquer caso a assistência aos pacientes em situação de urgência/emergência, garantindo a continuidade da assistência aos pacientes que já estejam sob seus cuidados e prestando assistência de enfermagem sem discriminação de qualquer natureza.

Nestes casos específicos de presidiários/detentos que estão sob a tutela do Estado, cabe ao Estado através dos seus agentes, garantir a segurança do preso, da equipe de saúde e dos demais usuários dos serviços de saúde, quando em atendimento em instituições de saúde pública ou privada, mesmo em situação de emergência global de saúde pública. É dever do Estado a garantia dos meios e condições necessárias para esta finalidade.

Este é o parecer que submeto aos Ilustríssimos Conselheiros Federais e Ilustríssimas Conselheiras Federais, integrantes do Egrégio Plenário do Cofen.

 

Brasília, 17 de setembro de 2020.

 

MANOEL CARLOS NERI DA SILVA
Conselheiro Federal Presidente

 

 

 

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