Linha de frente: além dos objetos de proteção

Revista Com Tempo relata o sofrimento emocional de profissionais na linha de frente. Saiba como o Enfermagem Solidária pode ajudar

10.05.2021

O mundo não é mais o mesmo, desde a primeira ocorrência do novo coronavírus – em dezembro de 2019, na China – milhares de pessoas estão sendo contaminadas pelo vírus e no Brasil não está sendo diferente. A Covid-19 está interferindo não só em nossa saúde, mas nos nossos costumes, no cotidiano, na economia e principalmente, no nosso emocional.

Um dos grupos mais vulneráveis em relação a essas interferências é constituído pelos profissionais da saúde, que estão na linha de frente do combate ao vírus e são indispensáveis. Rotinas estressantes, funcionários afastados por serem de grupo de risco, o medo de se contaminar e levar esse contágio para dentro de casa, são alguns exemplos que elevam as consequências emocionais e psicológicas desses trabalhadores.

“Meu plantão é de 12 por 36 (horas), e a escala trocava de 15 em 15 dias, agora é de 7 em 7. Eles estão ficando cada dia mais pesados, devido à ausência de funcionários afastados por serem de grupo de risco”, relata Bárbara Teixeira, 32, técnica de enfermagem em um hospital público de Belo Horizonte-MG.

Bárbara trabalha há 8 anos na área da saúde, atuou em alguns hospitais da sua cidade natal, Sete Lagoas-MG, e hoje exerce sua profissão no Centro de Terapia Intensiva (CTI) em um hospital público, que não é referência na rede de BH para casos do novo coronavírus. No entanto, o número de pacientes com suspeita e confirmados continuam crescendo.

A mudança de hábito desses profissionais, tanto no trabalho quanto na vida pessoal, foi uma das consequências que a pandemia trouxe. A técnica de enfermagem conta que teve de tomar alguns cuidados para sua proteção. “Já é da minha rotina lavar as mãos com frequência e passar álcool em gel. Agora, sempre saio de máscara e estou deixando o sapato que uso, durante o trabalho, no hospital”. Além das medidas de prevenção física, ela também pensa no emocional: “Para conseguir trabalhar e ter um equilíbrio psicológico, nos dias de folga, eu evito assistir jornal, opto por um filme ou série”, comenta.

Contudo, não foi só a rotina profissional e pessoal que foram atingidas, o emocional desses funcionários também sofreu uma interferência muito grande nessa pandemia. “Devido a esse momento, os pacientes estão com visita restrita e, por isso, presenciei um encontro muito emocionante, por meio de um vidro, podendo ver apenas as lágrimas escorrerem. Uma idosa estava no CTI, já era confirmado o diagnóstico de Covid-19, e a médica autorizou duas filhas entrarem no hospital e ver a mãe através desse vidro. Essa senhora já foi transferida e espero que esteja bem e em casa”, conta a técnica de enfermagem.

Outro problema enfrentado é o preconceito, “os profissionais da saúde estão sendo muito discriminados, não podemos usar roupas brancas, que corremos o risco de sermos expulsos dos transportes públicos, e vizinhos se afastam evitando responder até um simples bom dia”, afirma Bárbara.

“Todos têm que valorizar as pessoas que estão cuidando de você quando mais precisa e não apenas os médicos. Não desmerecendo nenhuma profissão, porém, hospitais só com eles não funcionam, somos uma equipe profissional e todos, sem exceção, têm um papel importante para o excelente funcionamento da instituição”, desabafa.

Com intuito de querer ajudar o próximo, ela escolheu essa profissão e se sente realizada. “Percebi que realmente estava fazendo o que eu gosto, fazendo com amor, cuidando de cada um como se fosse da minha família e como gostaria de ser cuidada, tendo empatia e boa vontade. Essa pandemia veio pra mudar muitas coisas no cotidiano, situações que já estavam ficando perdidas, como uma simples conversa com o paciente ou com os colegas do hospital”, pontua a profissional.

No local onde trabalha, um enfermeiro foi infectado pela Covid-19, com sintomas leves da doença. Entretanto, ela conclui dizendo que “se sente segura trabalhando no hospital, porque eles fornecem todos os materiais de proteção e foi disponibilizada uma equipe de psicólogos para atender todos os funcionários”.

A batalha emocional

Os profissionais da saúde exercem sua profissão em diversos setores dos hospitais, então cada um tem um desafio em particular que pode interferir em seu bem-estar, como a questão do isolamento social; o novo vínculo que foi criado com o paciente, já que as visitas estão restritas; ou o medo de estar e poder contaminar seus entes queridos.

A psicóloga Camila Elisa Rubin destaca que, “em uma forma geral as pessoas vêm procurando mais psicólogos e psicanalistas, porque é algo que a contingência do coronavírus faz com que a população atravesse. É como se o extremo aparecesse pela via do isolamento social e esse extremo esbarra literalmente em saber de si, a lidar com o próprio vazio e o vazio da própria escolha”.

Camila ainda acrescenta que “os profissionais da área de saúde permanecem nesse lugar também, mas com uma rotina estressante, de horas de trabalho no hospital, então há uma demanda na procura de análise como lugar de alívio, para ter um descanso e desabafar”.

Foram lançados alguns projetos do governo para garantir a segurança dos profissionais da saúde, como a Proposição Legislativa (PL) 1.242/2020, que estabelece que os órgãos e entidades do Sistema Único de Saúde (SUS) e particulares sejam assegurados a aquisição e a distribuição de equipamentos de proteção individuais (EPIs). Entretanto, a psicóloga Camila pontua que “precisamos pensar algo que vai além da necessidade dos objetos de proteção, talvez criar propostas de acolhimento para esses trabalhadores no momento presente, algo que envolvesse um espaço para diminuir a sua angústia”.

Os familiares, amigos e a sociedade têm uma grande importância nessa batalha. “Seria interessante que esses entes queridos, dessas pessoas da área da saúde, as escutassem. Tenham esse lugar de poder escutar esse profissional que está ausente de várias formas, pensando nesse sentido, talvez criar novas maneiras de se relacionar, como por exemplo, a virtual”, esclarece a psicóloga.

“Seria importante e interessante pensar na sociedade civil como de fato uma rede, para criar ações e projetos que as vozes desses profissionais da saúde apareçam, e que seja uma tentativa de criar um ambiente seguro para que eles possam dizer as suas demandas e necessidades. Então, o que a comunidade talvez acrescentaria seria em sustentar esse ambiente, onde a voz e a importância deles apareçam para além do ato”, conclui Camila.

Onde procurar ajuda

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) normatiza e fiscaliza o exercício da profissão de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Congrega cerca de 2,2 milhões de profissionais.

Dorisdaia Carvalho de Humerez, doutora em Enfermagem pela Universidade de São Paulo (USP) e docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é Coordenadora da Comissão Nacional de Enfermagem em Saúde Mental do Cofen e conta que “foram criadas resoluções, cartilhas de recomendações gerais para organização dos serviços de saúde e das equipes de Enfermagem, compras de máscaras, ações na Justiça para garantir a segurança dos profissionais, fiscalizações nas instituições, cursos de atualização em Enfermagem, canal de apoio em saúde mental, seminários on-line, dentre outras realizações. A fim de trazer maior segurança para os trabalhadores e melhor assistência para a população”.

Buscando dar apoio emocional para os profissionais da saúde, Dra. Humerez destaca “a criação do projeto Enfermagem Solidária. É uma plataforma on-line onde enfermeiros de saúde mental atendem os profissionais de enfermagem em suas necessidades emocionais relacionadas à Covid-19. São mais de 100 enfermeiros de saúde mental voluntários, que atendem em esquema de escala 24h, todos os dias da semana, no site cofen.gov.br”.

“O Conselho de Radiologia fez a solicitação para atendermos os profissionais registrados deles, e será iniciado imediatamente. Nós sabemos que a luta contra o coronavírus é intensa e que o profissional da Enfermagem também precisa de cuidados”, conclui a doutora.

A ComTempo entrou em contato com a AMB (Associação Médica Brasileira) e o CFM (Conselho Federal de Medicina), para falar sobre as medidas adotadas para proteção dos médicos, mas até o fechamento desta edição, eles não enviaram uma resposta.

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