Autoridades prometem mais leitos, mas faltam profissionais de Saúde

Coordenadora do Projeto Enfermagem Solidária e presidente do Coren-RJ

12.04.2021

Entornointeligente.com / RIO — “É o pior momento da pandemia. Estamos exaustos, e os pacientes chegam mais graves, muitos direto para a respiração mecânica. A gente faz, faz, mas faltam mãos, e os plantões de 24 horas se tornaram de 36, 48 horas”. O desabafo, de um profissional de saúde do Hospital municipal Evandro Freire, na Zona Norte do Rio, sintetiza aflições que têm se alastrado no front contra a Covid-19: nesta nova onda da pandemia, de recordes nas filas de internação, governos prometem abrir pelo menos 744 novos leitos, 455 deles de UTI para pacientes do coronavírus, e contratar cerca de 1.100 profissionais de saúde no Rio. Mas, além da sobrecarga de trabalho daqueles que já atuam nos hospitais, o momento é de escassez de mão de obra qualificada, sobretudo, na terapia intensiva, onde cada ação pode significar a diferença entre a vida e a morte.

— Existe um limite para a abertura de leitos. Se não tiver quem cuidar do paciente, não adianta. Já não tínhamos equipes especializadas suficientes para a terapia intensiva. Na pandemia, foram incluídos profissionais que não tinham o mesmo grau de treinamento, que estavam se formando, numa residência que dura de três a cinco anos. Até esses começam a se esgotar — afirma a médica intensivista Lara Kretzer, da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). — É uma guerra. Se a pandemia seguir nesse ritmo, nem sei o que pensar. Prefiro viver um dia de cada vez.

Em todo o país, são cerca de 8 mil médicos intensivistas titulados. Sempre foi uma quantidade insuficiente, segundo Marcelo Moock, membro da Comissão de Defesa Profissional da Amib, para atender aos 40 mil leitos de UTI que havia no Brasil antes da pandemia. Agora, o esforço tem sido de contingência, com esses especialistas precisando supervisionar um número que se multiplica de médicos e pacientes.

— Vacina pode trazer da China ou da Índia. Mas vai trazer médico especialista de onde? — diz Moock.

No Rio, um diagnóstico dos leitos já existentes mostra que, quarta-feira passada, quando 582 pessoas aguardavam vaga de UTI no estado, às 14h havia 109 leitos de terapia intensiva para Covid-19 bloqueados apenas na rede SUS da capital, segundo dados do Censo Hospitalar. Desse total, 42% (46 leitos) estavam impedidos devido à falta de médicos, enfermeiros ou técnicos de enfermagem.

Representantes de sindicatos como o dos Médicos e o Sindsprev/RJ falam num iminente colapso emocional dos profissionais. Neste repique da pandemia, a percepção de muitos deles é de que a rotina de mortes e angústia não vai acabar, observa Dorisdaia Humerez, coordenadora do programa de acolhimento à saúde mental Enfermagem Solidária, do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). O projeto precisou ser retomado com o agravamento da pandemia, com 695 atendimentos a profissionais da enfermagem no Brasil de 30 de janeiro a 15 de março, sendo o Rio o terceiro estado em demanda. Nos relatos cada dia mais dramáticos, muitos buscam ajuda pensando em desistir, sobretudo entre os que trabalham nas UTIs.

— Esses profissionais não estão suportando. Não aguentam mais cuidar das pessoas e perdê-las. Nos estados onde já faltam os “kits intubação”, assistir ao sofrimento dos pacientes tem sido a gota d’água. Eles contam que, sem os sedativos, muitos acordam no meio da intubação, com dor, e tentam arrancar o tubo se não tiverem contenção de braços e pernas — diz Dorisdaia, contando que, no Rio, são as aglomerações da população uma das principais queixas dos profissionais de saúde. — Eles se sentem como se não fossem respeitados, como se as pessoas brincassem com a morte.

— A maior angústia é emocional, de ver tudo cheio, com pacientes graves e jovens — afirma, sem se identificar, dizendo até se surpreender com os anúncios recentes de novos leitos. — Provavelmente, vão saturar mais a gente.

No município, sem detalhar quantos, a Secretaria municipal de Saúde afirma que abrirá novos leitos nos próximos dias. Estão sendo contratados, segundo a prefeitura, 532 profissionais, sendo 138 para o Hospital Municipal Souza Aguiar, que ganhou 40 dos 363 novos leitos criados desde o início do ano. Já o governo do Rio afirma que contratará 160 leitos da iniciativa privada e, até 2 de abril, disponibilizará 27 leitos da rede estadual. Além disso, o plano anunciado quinta-feira pelo governador em exercício Cláudio Castro é de uma ação conjunta com o Ministério da Saúde para abrir outros 557 leitos nos próximos dias, 324 deles de UTI, com regulação pelo estado, mas força de trabalho e gestão da União.

Nos hospitais federais, a previsão é que 59 desses leitos sejam abertos esta semana. Porém, essa mesma rede ainda precisa preencher 567 vagas de um chamamento de 4.117 profissionais e suprir os quadros de demitidos ao longo dos últimos meses, após o fim de contratos temporários.

O Conselho Regional de Enfermagem do Rio (Coren-RJ) diz que, com a pandemia, o aumento dos afastamentos e os cortes de contratos aumentaram o déficit de pessoal. Só na área de enfermagem, essa defasagem cresceu 20%. Apenas na rede federal, aponta o conselho, faltam 1.220 enfermeiros, técnicos e auxiliares. Nos oito grandes hospitais municipais do Rio, são 1.897 profissionais a menos do que indicam os protocolos.

— Esse quadro ocorre quando muitos enfermeiros ainda sequer receberam a vacina contra a Covid — diz Lilian Behring, presidente do Coren.

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