Coren-MA entrevista a técnica de enfermagem Lucenilde Sá Gonçalves


19.03.2013

“Eu sou feliz sendo técnica de enfermagem. Eu gosto, amo!”. Com esta afirmação, a técnica em enfermagem Lucenilde Gonçalves, definiu a sua relação com a enfermagem. Ela, que é especialista em Enfermagem do Trabalho, está inscrita no Coren-MA desde 1989 e há 24 anos atua na profissão. Seu primeiro emprego foi no Hospital Português, instituição na qual permanece até os dias atuais. Desde o ano de 1992 é também socorrista do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), onde ingressou quando o programa ainda era conhecido como São Luís Urgente 192. Nesta entrevista, concedida no dia 06/02 para a sexta edição do Jornal do Coren Maranhão, ela conta um pouco sobre a sua trajetória profissional.

Na época do seu curso técnico, a senhora acha que a formação recebida lhe deu condições para ingressar de imediato no mercado de trabalho? Deu condições, sim. Quando eu saí da escola já fui apta para trabalhar. Eu acabei num ano e no outro ano já comecei a exercer a minha função de técnica. Para isso, teve o meu esforço também, a minha capacidade de ir mais em frente. Porque na escola você recebe o básico, aí, depois, você se destaca aos poucos, por você mesma, abrindo a sua mente, aumentando a sua capacidade, melhorando a postura, enfim, a capacidade de socorrer muitas vidas.

E por que a senhora escolheu essa área de técnico de enfermagem? Eu escolhi porque achava bonito socorrer, correr atrás de paciente, de ajudar, de agir com as próprias mãos e com o coração. Então, quando eu ainda era criança, já olhava na televisão e gostava. Na época, eu estudava no Liceu e como lá não tinha o curso técnico, eu pedi para estudar no Gonçalves Dias, que era pertinho de casa. Eu fui fazendo e fui gostando e até hoje eu amo, amo, me dedico bem e corro. Não é à toa que eu chego no Socorrão com meus pacientes na maca e brigo por eles. Eu sei como falar com os médicos, com os maqueiros, e já entro ali em ação para lutar pelo meu paciente e depois ainda volto para saber como ele está. Isso na rua. Agora, no Português, meu coração dói quando eu vejo um paciente idoso ou uma criança, mas a dedicação é a mesma.

Mas vamos só voltar um pouco. Então a senhora se formou e conseguiu trabalhar aonde de imediato? De imediato eu trabalhei no (Hospital) Português. Na época, eu fiz uma prova e estou lá até hoje. Em 1992 eu comecei no São Luis Urgente (atual SAMU). Para isso nós fizemos um treinamento. Até hoje continuo nos dois.

Como é que a senhora concilia os dois empregos? Como é a carga horária? São duas tardes, uma noite e duas folgas no Português. E no SAMU é um SN (serviço noturno) e duas folgas. Tento conciliar para não faltar em nenhum. Quando passo dois dias de folga já quero trabalhar. Para mim, parece que dois dias de folga é muito.

E dos dois, com qual a senhora se identifica mais? São trabalhos diferentes. Tanto no Português como no SAMU me dedico do mesmo jeito. A diferença é que no SAMU é aquela garra, aquele corre-corre, aquela adrenalina de você ir para uma colisão, de você resolver ali e o suor derramando por cima daquele macacão. A gente não está nem ai, a gente quer ajudar, com segurança em primeiro lugar. No Português é mais calmo. No Português estou há 24 anos e há 20 no SAMU.

20 anos? E nesse tempo todo o que marcou mais? Eu fui numa colisão em que havia três vítimas em óbito. Eu já fui com garra para socorrer alguém, mas só pude socorrer uma criança. O acidente foi na estrada da Maioba, eu queria socorrer todos, mas quando cheguei no local já estavam em óbito. Nesses casos, a equipe tem que concluir que realmente a vítima está em óbito, fizemos todo o protocolo da reanimação e verificamos que não tinha mais jeito… aí, de repente as pessoas que estavam no local passaram a gritar que havia uma criança na mata. Então, entramos na mata, resgatamos a criança e colocamos na nossa ambulância. Acontece que essa ambulância não estava 100% e foi preciso chamar uma outra ambulância para ajudar. Eu já sabia que a ambulância não estava legal, mas assim mesmo botei a criança no oxímetro, conforme o protocolo, mantive no colar e administrei o soro. A criança estava reagindo bem pouco, saturando muito mesmo, a frequência bem baixinha, aí eu vi que essa criança estava entrando em choque. Aí o que eu fiz? disse para a minha colega ver se ela levava no carro, na ambulância dela, porque na minha eu ia perder tempo, eu ia chegar com a criança em óbito, com certeza. E tanto é que minha colega levou com rapidez e segurança pro Socorrão I e a criança foi direto para o centro cirúrgico.

Recentemente a gente viu na imprensa que o SAMU estava em condições precárias. Como é que a equipe lida com essa falta de estrutura? a gente tem que ter, primeiro, a segurança para nós, para a equipe, e a gente procurava fazer só o que dava, porque a gente não ia querer abarcar o mundo sem ter condições, pois aí fica meio difícil. Apesar disso, a gente nunca parou. Chegamos a ficar em greve, mas nunca paramos. Inclusive, na época da Drª Célia (a atual presidente do Coren-MA, Célia Rezende, que coordenou o programa), havia só uma ambulância que vinha da zona rural para ajudar, também teve greve, mas o serviço nunca parou. Não tinha para atender à população toda, mas era feito um crivo na regulação para que fossem atendidos os casos mais urgentes. Mas, agora já melhorou, acho que uns 90%.

E com esse trânsito que está a cada dia mais difícil, como é que vocês conseguem atender? Existem ambulâncias em alguns bairros. Na Cohama, por exemplo, fica uma no terminal. Uma no São Bernardo para atender aquela área da Cidade Operária. No Hospital da Criança também fica uma. Assim, em cada ponto estratégico da cidade tem uma ambulância e é deslocada a que está mais próxima.

E a sua equipe fica normalmente em qual ponto? O meu ponto é o do posto da Rodoviária de Pedrinhas, que abrange aquela área todinha do Quebra-Pote ao Campo de Perizes. Aquela área toda é nossa.

Mas, nesse trânsito, vocês conseguem chegar a tempo? Tempo de resposta? Só Deus mesmo, porque tem muita gente que não sai da nossa frente. A gente liga a sirene, mas muitas das vezes a gente chega e o paciente já foi. Mas, às vezes é coisa leve, não dá para esperar. Se bem que sempre eles esperam. Ultimamente eles estão muito focados na questão de esperar e não mexer com o paciente, porque eles vêem muito em televisão que não pode mexer no paciente e aí eles ficam direto no chão, aguardando a gente.

Durante um plantão vocês atendem em média a quantas ocorrências? Às vezes dez, doze… são ocorrências de mal súbito, dores, AVC. Há situações em que a equipe é chamada e quando chega no local o paciente já está em óbito. Mas, se você põe o oxímetro e ainda tem chance, então ali, naquele pontinho, tem sinal que ainda tem vida, e se tem vida tem esperança. Aí a gente prossegue com a reanimação cardiopulmonar, faz comunicação com a equipe através do rádio pedindo orientação ou para o médico vir ao nosso encontro e continuar com os procedimentos. Às vezes, já aconteceu de o paciente não reanimar, mas a gente tentou. O nosso objetivo é fazer todos os procedimentos, salvar mesmo.

Nos atendimentos que a senhora já realizou, qual foi a maior dificuldade para decidir o que fazer? Para falar a verdade eu nunca tive dificuldade. Eu nunca tive, sabe por quê? Porque parece que Deus bota um dom para a gente saber desenrolar o trabalho. Uma coisa que eu não sou é insegura, por isso que eu estou dizendo, quando eu vejo uma situação ruim, eu já chamo a USA. Por isso que eu não tenho dificuldade, porque parece que Deus bota o dom e a atitude da gente é imediata. Quando percebo que paciente não está melhorando, chamo logo a USA e os médicos vêm na mesma hora.

Como é que a senhora define a sua relação com a enfermagem? É uma relação de dedicação e de amor. Dedicação porque às vezes a gente se dedica muito para resolver, para agir, nem que você passe da hora de almoçar com o suor derramando naquela farda. No Português, por exemplo, as perninhas estão doendo só de caminhar, mas você se dedica. Porque na rua o trabalho é feito de um jeito e dentro da instituição é de outro e a gente tem que seguir todo um protocolo determinado pela direção e pela equipe de saúde, seguir as orientações da enfermeira, que é a nossa superior. Tudo tem que ser baseado pela orientação da enfermeira.

E cada membro da equipe sabe o que precisa ser feito? Antes de realizar qualquer procedimento eu falo com a enfermeira. Eu não faço nada por minha própria decisão. Eu tenho que falar para ela antes de fazer e se ela autorizar eu faço, porque o correto é a gente ter o respaldo dela.

Houve um caso recente em Brasília em que a médica prescreveu um medicamento em alta dosagem e o técnico até que questionou, mas a médica confirmou a prescrição e a criança faleceu. A senhora já teve algum caso parecido, de perceber que o medicamento não era adequado ou que o procedimento não era adequado? Já aconteceu assim, de eu ver que o paciente toma a medicação, não melhora e o médico passa outra de novo. Eu sei que se o paciente tomar outra dose da medicação vai rebaixar ainda mais o quadro. Nesse caso, eu pergunto para o médico se não seria melhor esperar mais um pouco, se não poderia dar o medicamento mais próximo do horário. Mas, graças a Deus, comigo não aconteceu não.

Mas, a senhora tem receio que isso possa acontecer? Com receio eu não faço.

Não faz, mas e aí, quais são as consequências? Eu digo que não sou obrigada a fazer quando estou achando aquela dosagem muito alta. Eu pergunto para o médico se não é melhor calcular de novo. De acordo com peso da criança e pela quantidade do medicamento indicada, às vezes é preciso recalcular. Insisto se a medicação está certa mesmo e, depois, o médico refaz a prescrição e manda fazer. Tudo depende de conversa e, outra coisa, de tentar resolver, porque eu não vou fazer uma medicação em uma criança pequenininha com uma dosagem que a gente vê que está passando. A gente sabe que a dose é muita e aí insiste com o médico para ele rever o cálculo.

Mas em geral, eles aceitam a opinião? Aceitam, desde que você saiba conversar. Depende da forma de falar. Agora, dosagem grande de medicação em uma criança, Ave Maria… a técnica tem que estar atenta, pois ela também sabe calcular. Se a técnica vê que a dose está muita, ela precisa fazer a pergunta e confirmar, precisa pedir para tornar a calcular.

A senhora completou 24 anos de profissão. Durante esse tempo, já pensou em fazer o curso superior ou é feliz sendo técnica? Não, eu sou feliz sendo técnica. Eu gosto, amo! O vento derruba todo o suor, o suor da “nêga” derramando, o boné… o boné, então, tiro toda vez para alinhar. Eu gosto.

A senhora conseguiu realizar seus sonhos como técnica de enfermagem? Consegui. E eu acho que se eu for ser uma enfermeira, eu já vou sair na área bem arrumadinha, num pacote já bem arrumadinho. Ser uma enfermeira é bom quando a pessoa foi técnica antes, porque sabe desenrolar muita coisa. Mas, ainda vai ter a oportunidade, com certeza.

E financeiramente, o salário de técnico compensa? O salário de técnico não é lá essas coisas. A gente rala muito e não ganha lá essas coisas. Isso fez também com que eu nunca tentasse fazer uma faculdade. Mas, o sonho eu tenho.

Atualmente como está a relação entre os membros da equipe de enfermagem? Eu acho que mudou muito, porque hoje existe mais respeito, mas, assim como em qualquer equipe, às vezes tem também alguns desentendimentos. Não sei se é porque a gente trabalha há muito tempo, mas as enfermeiras me tratam muito bem e sempre querem que eu fique todo o tempo nas escalas delas, porque eu sei ajudar, sei respeitar e sei tratar. Com isso, elas sempre me solicitam, não só as mais antigas, mas tem umas cinco que são antigas que querem que a gente fique sempre trabalhando com elas.

A senhora se inscreveu no Coren em 1989. O que a senhora pensa do Conselho de Enfermagem? Eu penso até hoje que é um órgão responsável por todos nós, por quem a gente tem que ter todo o tempo o respeito. Eu sempre recebi muito bem o Conselho de Enfermagem, até porque é uma forma de respaldo para nós, como um sindicato, só que o sindicato é importante só naquela época que você está trabalhando, e o Conselho não, é importante a partir do momento em que você exerce a sua função ou mesmo quando você ainda não tem nem emprego, o Conselho é capacitado para resolver, para te chamar.

Mas, anteriormente a senhora percebia a presença do Conselho? Logo no comecinho sim, mas, depois deu uma caída e eu não via muita gente falar sobre o Conselho. De um tempo para cá o pessoal voltou a focar no Conselho. Esse ano então, eu vejo muitas pessoas falando bem do Conselho, bem mesmo. Inclusive eu disse: “crianças, vamos lá agilizar os pagamentos do Conselho, senão eu vou pedir uma notificação para colocar o nome de vocês num mural como inadimplentes”. Aí, quando eu chego lá no vestiário elas me xingam… (risos)

A senhora afirmou que ama ser técnica de enfermagem. Mas, alguma vez já pensou em mudar de profissão? Não. Eu quero ficar velhinha cuidando dos meus pacientes, como aquelas parteiras que tinha antigamente. Não pretendo mudar, não. Eu tinha jeito para ser assistente social, porque eu tenho um jeitinho para conversar com as pessoas, mas, não, meu negócio é enfermagem mesmo. A enfermagem para mim é o que eu gosto, gosto muito mesmo. Às vezes, eu trabalho por três noites seguidas, quatro, mas, graças a Deus, não fico com cara de cansada, nem com cara de preguiça. Parece que na gente a carne é mais dura. A gente parece que é mais fresquinho para ficar ali no plantão, sem aquela preguiça “desgranhenta” (risos).

Compartilhe

Outros Artigos

Receba nossas novidades! Cadastre-se.


Fale Conosco

 

Conselho Federal de Enfermagem

SCLN Qd. 304, Lote 09, Bl. E, Asa Norte, Brasília – DF

61 3329-5800 | FAX 61 3329-5801


Horário de atendimento ao público

De segunda a sexta, das 8h às 12h e das 13h às 17h

Contato dos Regionais