2º Seminário Intercultural defende saúde qualificada aos quilombolas e extrativistas
Segunda edição do evento acontece na cidade de Caruaru com apoio do Coren-PE e da Faculdade Asces/Unita
26.06.2023
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Em um país de dimensões continentais como o Brasil, muitos segmentos da sociedade ainda enfrentam a violência e a exclusão estrutural, ocupando um espaço à margem das políticas públicas e da atenção dada pelo Estado. Símbolos de resistência, as comunidades quilombolas e extrativistas vivenciam os efeitos dessa segregação, compartilhando inúmeros desafios, especialmente no que diz respeito ao pleno acesso à saúde de qualidade. Estabelecendo um olhar atento às adversidades enfrentadas por esses grupos, a Comissão Nacional de Enfermagem em Saúde Intercultural do Conselho Federal de Enfermagem (Conenfsi/Cofen) deu início, nesta segunda-feira (26/6), ao 2º Seminário Nacional de Saúde Intercultural, na cidade de Caruaru, no Agreste pernambucano.
Com o tema “Quilombolas e Extrativistas: A Enfermagem na transformação de paradigmas”, o evento é promovido em parceria com o Conselho Regional de Enfermagem de Pernambuco (Coren-PE) e a Faculdade Asces/Unita, e conta com transmissão on-line pelo Cofenplay. O seminário reúne especialistas de todo o país para promover uma abordagem transversal de saúde pública, que reconhece a integração dos diferentes saberes e culturas. O reitor da Asces, Paulo Muniz, também esteve presente na mesa de abertura, assim como o conselheiro federal Leocarlos Cartaxo.
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Na cerimônia de abertura, Betânia Santos, presidente do Cofen, relembrou o papel vital desempenhado pela categoria na assistência prestada aos grupos mais vulneráveis da sociedade. “Capacitar a Enfermagem para atuar junto aos segmentos muitas vezes discriminados não é apenas uma necessidade, mas também um dever. A Enfermagem é protagonista da saúde brasileira e é indispensável que tenhamos uma compreensão ampliada da nossa estrutura cultural, tão diversa e complexa, para que possamos atuar de forma eficaz e igualitária”, afirmou.
O presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Pernambuco (Coren-PE), Gilmar Júnior, frisou que a Enfermagem abarca todas parcelas vulneráveis e recapitulou a história de Pernambuco, berço de quilombos notórios na história do país, como o de Palmares. “É importante estarmos no coração do agreste do estado discutindo um tema de extrema relevância”.
Paulo Murilo de Paiva, coordenador da comissão, ressaltou o trabalho do Cofen para a melhoria da assistência a todos os grupos sociais vulneráveis. “Contamos com uma riquíssima programação, repleta de grandes nomes na área. O Cofen, por meio da Conenfsi, vem realizando o mapeamento e o desenvolvimento de estratégias e ações para que profissionais da Enfermagem possam prestar uma assistência de excelência e de equidade a todos os brasileiros e estrangeiros dentro do nosso país”.
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Quilombo, um ambiente seguro de pessoas – “Por que quase não vemos representações negras e isso não nos causa estranhamento?”, indagou Beatriz Soares ao apresentar no primeiro dia de evento palestra sobre os povos quilombolas, com mediação de Rafael Santiago, integrante da Conenfsi. A conselheira do Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren-RS) e também membro da comissão foi categórica ao dar a resposta: “devido ao racismo estrutural”.
“Não há como falar sobre quilombos sem falarmos do racismo”, pontuou Beatriz, que também destacou a existência de dois brasis: o da inclusão e o da exclusão. “A Enfermagem, enquanto ciência do cuidado, está diretamente ligada a essa realidade, pois mais da metade da categoria é constituída pela população negra”, finalizou.
O perfil da Enfermagem brasileira é constituído por maioria de mulheres negras (53,3%). Contudo, essas profissionais seguem invisibilizadas, desvalorizadas e estagnadas no nível médio da pirâmide ocupacional da área. É preciso reconhecer as histórias da contribuição das mulheres negras para a saúde do país, dar a visibilidade compatível com a importância dos seus atos e assegurar a mobilidade a que têm direito.
Relatos de Experiência – Na parte da tarde, a programação continuou com relatos de experiência sobre a assistência de Enfermagem aos Povos Quilombolas. A enfermeira Severina Barros compartilhou sua atuação no quilombo da Ilha de Mercês, no município de Ipojuca (PE), que foi separado após a construção de uma ferrovia.
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A enfermeira Ana Cláudia Dantas divulgou dados sobre a realidade dos quilombolas pernambucanos. “Temos mais de 600 comunidades quilombolas em nosso estado, porém apenas cerca de 150 possuem seus territórios reconhecidos formalmente, o que impede o acesso aos serviços básicos, especialmente à saúde”.
Fiscalizar para quebrar paradigmas – Fechando a programação do último dia, a chefe do Departamento de Gestão do Exercício Profissional do Cofen, Heloísa Helena da Silva, a enfermeira fiscal do Coren-PE Ivana Andrade, e o membro da Conenfsi Bruno Werner, apresentaram a palestra “O Coren como órgão fiscalizador do exercício profissional com interface na assistência e nos paradigmas da profissão”. Para Ivana, é preciso quebrar com a lógica da fiscalização punitiva para que a categoria compreenda a sua importância na garantia de respaldo legal para o exercício profissional. “A fiscalização assegura à sociedade o direito de ser cuidada por profissionais legalmente competentes para exercer a Enfermagem”, garantiu Heloísa Helena.
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Dados de raça e etnia na inscrição profissional – O plenário do Cofen aprovou, em 2021, resolução que incluiu informação de raça/cor no requerimento de inscrição profissional dos Conselhos de Enfermagem. A decisão busca conhecer a diversidade dentro da categoria, atualizar dados sobre o perfil da profissão e fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas que contribuam para a garantia de uma Enfermagem mais justa.
O Seminário continua nesta terça-feira (27/6) com mesas redondas, relatos de experiência e palestras focadas nas comunidades extrativistas. A gravação do primeiro dia de evento pode ser acessada clicando aqui.