Descoberta do autismo na vida adulta pode ser uma chave para o autoconhecimento

Limitações podem abranger dificuldades de comunicação e interação social

30.05.2024

É cada vez mais comum que adultos recebam o diagnóstico de algum grau do Transtorno do Espectro Autista (TEA). A condição neuroatípica, na maioria dos casos, está associada a dificuldades de interações sociais e engloba diferentes condições, marcadas por perturbações do desenvolvimento neurológico.

Descobrir-se dentro deste quadro clínico na idade adulta pode representar uma oportunidade de compreender as limitações enfrentadas ao longo da vida. Essas limitações podem abranger dificuldades de comunicação e interação social, resultantes de deficiências no domínio da linguagem e na capacidade de imaginação para lidar com jogos simbólicos, além de padrões de comportamento restritivos e repetitivos

Desde 2014, os diagnósticos em TEA passaram a ser classificados em diferentes níveis de suporte. De acordo com a enfermeira Cleide de Oliveira, à frente do primeiro consultório de Enfermagem especializado em autismo, em São Paulo, a classificação facilitou acesso e tornou mais acessível as informações sobre esta condição. “Todo mundo ouviu falar em Asperger. Este termo não existe mais. Eles são os autistas de nível 1 de suporte. Eles sempre existiram, só que agora estão incluídos em outra definição. O autismo não é igual em ninguém, cada pessoa é única”, explica.

A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) estima que 3 milhões de pessoas no Brasil podem estar em algum ponto do espectro do autismo, utilizando dados de prevalência que levam em conta a proporção no restante do mundo. “O TEA é uma condição do desenvolvimento neurológico atípico, que se manifesta nos anos iniciais do desenvolvimento e que acarreta atipicidade nas áreas de interação social e comunicação social”, definiu o neuropsicólogo Mayck Hartwig, que trabalha com o atendimento clínico de adultos autistas.

Existe, segundo o neuropsicólogo, três níveis de autismo, que definem a necessidade de suporte ao longo da vida. Uma pessoa com nível 1, por exemplo, só precisa acompanhamento leve. Já uma diagnosticada com o nível 3 precisa de suporte mais substancial e medicação. “O autismo hoje é compreendido como um espectro de manifestação fenotípica bastante heterogênea, ou seja, existem várias manifestações diferentes. E essas manifestações ocorrem também com sinais mais ou menos evidentes em algumas pessoas”, pontuou Hartwig.

Descobertas tardias – Para o juiz Ricardo Fulgoni o diagnóstico veio após os 30 anos, quando a pandemia interferiu no seu cronograma de estudos para o concurso da magistratura e o colocou em estado de prostração. Descobrir o autismo na vida adulta contribuiu para que ele compreendesse limitações que o acompanharam ao longo de toda a sua trajetória.

“Eu sempre tive a compreensão de que eu era diferente. Que eu não conseguia fazer as mesmas coisas que as pessoas faziam. Falavam que eu era chato, enjoado, antissocial”, recorda ele. “Eu achava que era só isso. Não imaginava que tivesse um diagnóstico”.

Gilson Azevedo teve diagnóstico do TEA aos 60 anos

O analista de tecnologia da informação Gilson Azevedo, de Porto Alegre (RS), teve um diagnóstico ainda mais tardio, aos 60 anos. Sofrendo com um quadro depressivo sem alívio nem mesmo com as mais fortes medicações, procurou uma investigação cujo diagnóstico foi a neuroatipicidade.

Seu TEA de alta performance explica a facilidade que possibilitou aprender alemão, inglês, espanhol e japonês, ao mesmo tempo também embasa dificuldades, como nunca ter aprendido a dirigir e precisar estar a maior parte do tempo só. “Meus testes indicaram autismo leve com alta performance (QI alto). Recebi a notícia com alívio e tranquilidade. Foi libertador perceber que não tenho mais a obrigação de ser como os outros e entender meu direito de ser do jeito que sou”, ressaltou.

Tratamento no SUS – Desde 2023, a atenção à pessoa com TEA consta na Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência (PNSPD) do governo federal, segundo o Ministério da Saúde. Casos suspeitos de TEA devem ser levados à Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima da residência para avaliação da equipe de Atenção Primária. Caso necessário, será encaminhado para a Atenção Especializada em Reabilitação.

Nos locais especializados, o paciente passa por avaliação biopsicossocial com equipe multiprofissional para receber o diagnóstico funcional, além de identificar as potencialidades e necessidades do paciente, de sua família e seu contexto de vida. Todos estes fatores servem de base para a elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS).

Atualmente, o SUS conta com 274 Centros Especializados em Reabilitação habilitados e 47 oficinas ortopédicas em 26 estados e no Distrito Federal, além de 237 serviços de reabilitação habilitados em uma única modalidade.

Classificações – O TEA pode ser divido em diferentes classificações. O autismo clássico, por exemplo, pode variar em intensidade, com dificuldades no contato visual com pessoas e com o ambiente. Embora possam falar, muitas vezes não utilizam a fala como uma ferramenta eficaz de comunicação. Já o autismo de alto desempenho, apresenta desafios sociais menos pronunciados, enquanto o Distúrbio Global do Desenvolvimento sem Outra Especificação (DGD-SOE) torna o diagnóstico mais complexo devido à falta de características distintivas.

Fonte: Ascom/Cofen, com informações do Ministério da Saúde, Unifesp e Agência Brasil

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