Mulheres e negros são maioria entre os profissionais de Enfermagem em MT

Nem Ladies, nem Nurses

21.11.2018

No estado do Mato Grosso, a Enfermagem é negra e feminina. Ao todo, cerca de 85% dos cerca de 27 mil profissionais são mulheres e 67% deles são negros. Sessenta por cento da categoria tem até 40 anos de idade, 41% são casados e 70% têm o ensino médio completo. Ao todo, 45% dos profissionais trabalham mais de 40 horas semanais e 60% estão na capital, Cuiabá. As prefeituras são os órgãos que mais os empregam, 44% deles têm 10 ou mais anos de experiência e 60% relatam dificuldades para encontrar trabalho.

Os dados do levantamento “Perfil da Enfermagem no Brasil”, realizado pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2013, mostram uma realidade que guarda as marcas da história da formação da sociedade brasileira, caracterizada pelas desigualdades raciais e sociais, onde os negros foram excluídos da profissionalização na Enfermagem, embora tenham sido pioneiros na arte do cuidado, como curandeiros, benzedores, babás, amas de leite e em organizações do movimento negro etc.

A formação em Enfermagem historicamente excluiu as mulheres negras e, de lá para cá, com sua inserção cada vez maior no ambiente de profissionalização ao longo da história, o preconceito é ainda um fato cotidiano.

O Conselho Regional de Mato Grosso (Coren-MT) conversou com três profissionais de Enfermagem sobre o assunto. Uma delas é a enfermeira Nara Nascimento, 55, responsável técnica pela área de Atenção à Saúde da População Negra da Secretaria de Saúde de Mato Grosso e plantonista da instituição Lar Doce Lar.

Formada nos anos 1980, uma das primeiras experiência de preconceito que enfrentou no ambiente de trabalho aconteceu quando um de seus pacientes de home care (que estava sob a responsabilidade de um grupo de profissionais do qual fazia parte) afirmou que se recusava a ser atendido por uma negra. Todos desistiram do serviço e o colega que administrava o grupo afirmou que “não atenderiam a uma pessoa racista”.

Ela interpreta que algumas vezes deixou de ser reconhecida e identificada como enfermeira por pacientes, em um primeiro contato, pelo fato de não se encaixar no padrão tradicional de beleza associado à imagem da “enfermeira padrão”, em geral, branca. Em sua visão, na enfermagem, como na cultura, o racismo é velado e naturalizado. Preconceito racial e machismo contribuem para as dificuldades de organização coletiva. “É uma categoria que nunca discutiu questões raciais, apesar de ser predominantemente negra, ainda mais quando falamos dos profissionais de nível médio”.

Um relato parecido faz a técnica de enfermagem Lourdes Batista, 52. Formada em 2003, ela atua na área de segurança e saúde ocupacional em empresas da rede privada.

No início da carreira, trabalhando no atendimento de primeiros socorros de um parque de diversões, percebia que os pacientes não a identificavam como profissional de saúde se não estivesse de jaleco, o que considera uma forma de racismo.

Em outra empresa, onde era uma das poucas negras empregadas, diz ter sentido o preconceito em manifestações do comportamento, como os olhares e forma de tratamento. Para ela, o racismo integra a cultura e está no modo de agir, independente do que o sujeito manifesta verbalmente. “Por mais que a pessoa diga que não é racista, o racismo está no pensamento, vem desde a família e isso se reflete no ambiente de trabalho da enfermagem. Mas nós somos mais fortes que o preconceito”.

A enfermeira Simone Aparecida Ribeiro Lima, 42, vê o preconceito desde a formação profissional. Graduada em 2014, viveu a experiência de ser universitária antes da existência das cotas raciais, tendo que lidar com sinais de preconceito como a baixa expectativa de professores em relação a seu desempenho, em um curso que então era predominantemente de alunos brancos. Atualmente, é aluna de pós-graduação da Faculdade de Enfermagem da UFMT.

Em um dos hospitais onde buscou emprego, foi informada na primeira abordagem de que ali não era o local para entregar currículos para a área de serviços gerais. Em outra situação, recebeu o retorno de uma empresa oferecendo este mesmo tipo de vaga.

Qual a solução para minimizar o preconceito? Para ela, o aumento da visibilidade da mulher nas universidades é uma das medidas, conforme dito no livro “Trajetória da mulher negra na Enfermagem em Nível do Terceiro Grau: um percurso pela história da Enfermagem no Brasil”, de Maria Stela Anunciação da Silva.

Com a resenha deste livro, Simone e o colega de curso Valdeci Silva Mendes alcançaram o terceiro lugar na Semana da Enfermagem, em Cuiabá, em 2017. Simone estuda relações raciais e é uma das fundadoras do Coletivo Negro Universitário da UFMT que luta, entre outras coisas, pela inclusão das relações raciais no currículo dos cursos de graduação. Hoje ela já é disciplina optativa em seis cursos da UFMT, entre eles o de Enfermagem.

“A Enfermagem em sua origem já era uma profissão elitizada, então as mulheres negras não eram bem vistas, eram preteridas para esta profissão. É preciso ter mulheres negras em todos os espaços. Isso é cultural e estrutural em nossa sociedade. É necessário que as relações raciais sejam discutidas desde as séries iniciais até o ensino superior”, disse Simone.

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