PARECER DE CONSELHEIRO FEDERAL Nº 022/2022/COFEN


22.07.2023

PARECER DE CONSELHEIRO FEDERAL Nº 022/2022/COFEN

 

Análise acerca da legalidade da capacitação do cuidador familiar leigo pelo Enfermeiro, na assistência especifica de aspiração traqueal, no ambiente domiciliar .

 

Excelentíssima Sra. Presidente do Conselho Federal de Enfermagem Betânia Maria
Pereira dos Santos e Senhores Conselheiros Federais,

I – DESIGNAÇÃO

O presente parecer resulta de um pedido de Vista à Presidente do Conselho Federal de Enfermagem, Dra. Betânia Maria Pereira dos Santos, Coren-PB 42.725-ENF , na 535ª Reunião Ordinária de Plenária, ao PAD 895/2021 que trata da “análise acerca da legalidade de capacitação do cuidador familiar leigo pelo profissional Enfermeiro ”, questionamento encaminhado pelo Presidente do Coren-MT, Dr. Antônio César Ribeiro, especificamente para realização de aspiração traqueal no ambiente domiciliar.

Em 17 de dezembro de 2021 fui designada pela Portaria Cofen nº 1570, para análise e emissão de Parecer técnico-científico, ético e legal sobre a matéria em questão.

II – HISTÓRICO

O PAD Cofen nº 895/2021 teve início a partir do Ofício 092/2021/GAB, de 20 de agosto de 2021, enviado pelo Presidente do Coren-MT, solicitando “manifestação e posicionamento sobre a matéria referente a legalidade de capacitação do cuidador familiar pelo profissional Enfermeiro, especificamente para realização de aspiração traqueal no ambiente domiciliar”. Além disto, o referido Presidente entende que “o posicionamento deste Conselho Federal deva ser considerado normativo legal em âmbito geral do Sistema de regulação profissional da Enfermagem Brasileira ”. (fls. 04)

Consta no PAD Cofen nº 895/2021, Parecer Técnico nº 081/2021 da CTLN (Câmara Técnica de Legislação e Normas), onde aponta que “é vedado 0 treinamento de aspiração de vias aéreas por Enfermeiros a cuidadores”. O referido parecer se
fundamenta na Lei 5.905 de 1973, na Lei 7.498 de 1986 e Resoluções do Conselho Federal de Enfermagem, entendendo que a matéria está. pacificada pela Resolução Cofen 582/2018 e Resolução Cofen 557/2017.

Assim, entende a CTLN que está expresso na Resolução Cofen 582% ‘ , artigo lº, que é vedado ao enfermeiro o ensino de práticas de enfermagem que exija aplicação de conhecimentos técnicos científicos, tanto em aulas teóricas como em
atividades de estágio e em atividades de formação de Cuidador de Idosos. (grifo nosso)

De ante mão, contesto o uso da Resolução Cofen 582/2018 acima para fundamentar o parecer da CTLN, pois entendo que não trata da mesma matéria, e assim não poderia ser utilizada como referência para responder a demanda. A citada Resolução refere-se aos casos de formação profissional em cursos de Cuidadores de Idosos e não menciona capacitação de Cuidador Familiar, que tem características distintas. A título de esclarecimento, o Cuidador familiar é um leigo, que não possui formação profissional ou curso livre na área da saúde. Já o Cuidador de Idosos passou por formação básica de
nível técnico/médio, é um ofício regulamentado pela CBO 5162-10 (Classificação Brasileira de Ocupações), e foi capacitado para atuar especificamente nos cuidados básicos aos idosos, limitando-se ao domicílio e instituições asilares e/ou ILPPs (instituições de longa permanência para idosos) que possuem como atividade finalista a assistência social.

O Parecer da CTLN, destaca também a Resolução Cofen 557/2017, especificamente quanto ao procedimento de aspiração de vias aéreas, informando ser privativo do enfermeiro em quaisquer ambientes, se o paciente estiver grave ou traqueostomizado, e reforça ser uma garantia respaldada claramente na Lei 7.498 de 1986 e no Decreto 94.406 de 1987. E ainda, considera os artigos 4º e 5º da resolução, onde regulamenta que pacientes não graves em ambiente domiciliar, podem ter as vias aéreas aspiradas por técnico de enfermagem. (Grifo nosso)

Quanto a Resolução Cofen nº 557/2017 e sua utilização na fundamentação do caso em questão, entendo que a CTLN ampliou o sentido da normativa deste Federal.

Vejamos:

Art. lº Aprovar, no âmbito da Equipe de Enfermagem, o procedimento de Aspiração de Vias Aéreas, conforme o descrito na presente norma. (Grifo nosso) .

A norma define o grau de competência e responsabilidade no âmbito da equipe de enfermagem que podem atuar no ambiente hospitalar e no ambiente domiciliar.

Todavia, nos ambientes hospitalares ou de saúde, públicos e privados, existem a obrigatoriedade legal de incluir o planejamento e a programação de Enfermagem, conforme artigo 3º da Lei 7.498/1986. Já no ambiente domiciliar não existe esta obrigatoriedade, conforme descrevo e fundamento no mérito deste parecer.

Para finalizar a CTLN conclui “que nenhum procedimento de enfermagem deve ser delegado a qualquer outro indivíduo que não seja profissional de enfermagem, respeitando os graus de competência das categorias. Ainda que seja acompanhante, familiar, responsável em ambiente desospitalizado, exceto para o autocuidado”.

Reafirmando ser vedado o treinamento de aspiração de vias aéreas por Enfermeiros a Cuidadores.

Por entender que o parecer da CTLN possui argumentação frágil e interpretação ampliada da Lei 7.498/1986, além de discordar do entendimento e conclusão proferida, solicitei vistas a Presidência do Cofen e passo a análise da matéria sob outra perspectiva.

III – MÉRITO OU FUNDAMENTAÇÃO

Verifica-se que a consulta se trata, de forma específica, da análise acerca da legalidade da capacitação do cuidador familiar leigo, pelo profissional Enfermeiro, para realização de aspiração traqueal no ambiente domiciliar.

Para fundamentar e analisar a matéria em questão precisamos entender aspectos relacionados a legalidade do ato, baseada na interpretação e hermenêutica de normativas, e no caso específico utilizarei a Constituição Federal, a Lei Federal nº 7.498 de 1986 que dispõe sobre o exercício da Enfermagem e seu Decreto regulamentador nº 94.406 de 1987, além de Resoluções do Cofen, órgão que disciplina e fiscaliza o exercício profissional, conforme Lei 5 .905/ 1973.

Para análise do questionamento feito pelo regional, inicialmente sob a ótica da Constituição Federal de 1988, é necessário dividir o tema em duas vertentes: atuação profissional do enfermeiro e o ambiente domiciliar.

Quanto a atuação profissional a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XIII, dispõe que “é livre _o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. No caso da Enfermagem os requisitos legais estão regulamentados na Lei 7.498/1986 e no Decreto 94.406/ 1987 , onde além da formação profissional necessária para o exercício da enfermagem, definem as atividades e atribuições das 4 categorias (Enfermeiro, Técnico de Enfermagem, Auxiliares de Enfermagem e Parteira).

Ainda, analisando a Lei 7.498/1986, é possível identificar e delimitar “onde” ou o “local” em que ela possui abrangência, ou mesmo onde ela deverá ser cumprida na íntegra.

Para isso, vejamos:

Art. lº – É livre o exercício da enfermagem em todo o território nacional, observadas as disposições desta lei.
[…]
Art. 3º O planejamento e a programação das instituições e serviços de saúde incluem planejamento e programação de enfermagem. (Grifo nosso)

Além disto,

Art. 11 – o Enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe:

I – Privativamente:

a) direção do órgão de enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de saúde, pública e privada, e chefia de serviço e de unidade de enfermagem; (Grifo nosso)

E ainda,

Art. 15 – as atividades referidas nos arts. 12 e 13 desta lei, quando exercidas em instituições de saúde, públicas e privadas, e em programas de saúde, somente podem ser desempenhadas sob orientação e supervisão de Enfermeiro. (Grifo nosso)
Assim, entende-se que as atividades de enfermagem, dentro dos limites da Constituição Federal e da Lei Federal 7.498/1986, deverão ser exercidas em instituições e serviços de saúde, público e privado, e em programas de saúde. Ou seja, a enfermagem como profissão regulamentada por lei possui limite de atuação, porém é obrigatória a presença de profissionais de enfermagem nos estabelecimentos possuem como atividade finalista a saúde.

Por outro lado, a consulta em tela menciona o ambiente domiciliar para realização de procedimentos técnicos pelo cuidador familiar leigo ou responsável legal do paciente, com intuito de desospitalização ou para cuidados paliativos em uma assistência mais humanizada.

Verifica-se no art. Sº, inciso XI, da Constituição Federal quando ao direito fundamental relativo à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial ”.

Desta forma, entende-se que as normas que determinam obrigação às instituições de saúde, sejam públicas e privadas, não podem ser impostas no âmbito domiciliar, devido a inviolabilidade prevista na Constituição Federal. Vale destacar que a fiscalização do exercício da enfermagem tem respaldo legal para adentrar as instituições de saúde públicas e privadas, sobre a fundamentação primária de fazer cumprir o disposto na Lei Federal 5.905/ 1973 e na Lei 7.498/1986, porém em nada se refere ao cumprimento destas normativas à nível domiciliar.

Sendo assim, é arrazoado por esta autarquia de regulamentação profissional a flexibilização das regras, utilizando-se de bom senso nas decisões e pareceres, para que não sofra processos judiciais por ultrapassar a sua autonomia institucional.

Desta forma, em análise prática da CF de 1988, o domicílio é inviolável, cabendo o consentimento do morador/proprietário e consequentemente a sua responsabilização quanto aos atos exercidos dentro do seu domicrlio. Portanto, quando um cidadão dentro do seu domicilio, assume a assistência .de um parente, ele está assumindo a responsabilidade legal (cível e criminal) por este cuidado.

Outro aspecto relevante, que deve ser mencionado neste parecer, está relacionado a ética profissional. O tema está contemplado na Resolução Cofen nº 564 de 2017, que aprova o novo Código de Ética dos profissionais de Enfermagem, especificamente no capítulo III das proibições:

Art. 92 Delegar atribuições dos(as) profissionais de enfermagem, previstas na legislação, para acompanhantes e/ou responsáveis pelo paciente.

Parágrafo único. O dispositivo no caput não se aplica nos casos da atenção domiciliar para o autocuidado apoiado. (Grifo nosso)

Assim, já Vimos que delegar atribuições dos profissionais de enfermagem a nível da atenção domiciliar e possível e legal, todavia passo para outro ponto mencionado na consulta, quanto a capacitação do cuidador familiar leigo pelo profissional Enfermeiro.

O termo capacitação se refere basicamente pela preparação de pessoas para enfrentar situações ou funções que demandam conhecimento e técnica adequada para exercê-la.

Para fundamentar a legalidade do ato de capacitar leigos pelo profissional Enfermeiro, uso a Lei 7.498 de 1986, que regulamenta a Enfermagem como profissão, especificamente no seu artigo 11, que dispõe sobre as atividades do enfermeiro, no inciso II, como integrante da equipe de saúde:

j) educação visando à melhoria de saúde da população.

No caso em questão, a capacitação do cuidador familiar e leigos pelo Enfermeiro não só é legal, como é rotina instituída em diversos serviços de saúde e programas de atenção domiciliar, através de treinamentos teóricos e práticos antes e após a alta hospitalar. A decisão do momento adequado para a alta é prerrogativa médica, porém nestes casos existem análise multiprofissional quanto as condições dos familiares para execução dos cuidados no domicilio.

Assim, quanto ao cuidador familiar, entende-se por pessoa leiga, sem formação profissional na enfermagem ou na área da saúde, que pertença ao seio familiar e que possui a responsabilidade legal ou tutela para cuidar de um membro da família.
Exemplo: Pais, irmãos, filhos, tios, entre outros.

Cabe ainda entender o Enfermeiro neste contexto: é um profissional com formação de nível superior, que possui competência técnica-científica, ética e legal para realizar todas as atividades de enfermagem aos pacientes e usuários dos serviços e instituições de saúde pública e privada, conforme Lei 7.498/ 1986. Desta forma, quando a capacitação do cuidador familiar leigo, no âmbito da equipe de enfermagem, entende-se que o ENFERMEIRO é o profissional mais adequado, pois dispõe de conhecimento teórico, científico e prático.

Quanto ao ambiente domiciliar citado, entende—se pelo que é relativo ou relacionado ao que se faz em casa.
Avaliando o ponto de vista técnico e científico, a consulta do regional mato grossense menciona especificamente o procedimento de aspiração traqueal como alvo da prática domiciliar. Cabe ressaltar que a aspiração traqueal é um procedimento técnico que exige conhecimento científico e destreza na sua realização, independente do
ambiente em que será executado. E deverá conter rigor técnico e conhecimento para sua realização. Dentro de estabelecimentos de saúde, esta atividade cabe, no âmbito da equipe de enfermagem, privativamente aos Enfermeiros, conforme Resolução Cofen nº557/2017. Além disto, a aspiração traqueal pode ser compartilhada com Médicos e
Fisioterapeutas devido seu grau de complexidade nos diversos ambientes de saúde.

No caso em questão, deve ficar esclarecido que a técnica executada não muda de acordo com o ambiente, seja ele hospitalar ou domiciliar. O que altera, no ambiente domiciliar, e a prerrogativa de QUEM pode executar o procedimento e
consequentemente, este executor irá ser responsável pelas consequências, nas diversasinstâncias, tais como: civil e criminal. Assim, no caso em que o cuidador familiar leigo assumir o risco de realizar procedimentos técnicos em seus familiares e parentes no seu domicílio, como uma forma de prestar cuidados a eles, cabe a este cuidador a responsabilidade pelos seus atos, não tendo o Estado como intervir ou proibi-lo. Exceto, nos casos de comprovado maus tratos e grave descuido com o parente sob tutela, onde nestes casos são acionados serviços de assistência social, e em casos extremos podem ser acionados polícia civil, com abertura de inquérito criminal, acionar a perícia forense
e o ministério público, se necessário.

Portanto, nos estabelecimentos de saúde, que englobam a atenção primária, secundária e terciária, com financiamento público e privado, e obrigatório dispor de profissionais devidamente capacitados e mão de obra qualificada para a realização destes procedimentos técnicos da área de saúde e que envolvem conhecimentos e habilidades. Caso contrário, a instituição de saúde poderá responder por negligência as normas e leis que regem o ordenamento jurídico do país. Assim, estes estabelecimentos deverão contratar profissionais para executarem os procedimentos de acordo com as leis
que regulamentam as profissões, além de serem obrigados a cumprirem as diretrizes de funcionamentos dos serviços de saúde instituídos pela ANVISA e Ministério da Saúde.

O Ministério da Saúde, através da Portaria Ministerial nº 1.208 de 2013, preconiza a assistência domiciliar como uma alternativa para a desospitalização, e publicou o Caderno de Atenção domiciliar com diretrizes nacionais para gestão deste
cuidado. Além disso, possui um capítulo específico para tratar das Doenças Respiratórias Crônicas e Agudas, os cuidados, os riscos e possíveis complicações.

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013)

IV – LIMITE LEGAL DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Importante destacar que no rol das funções da Enfermagem possuem atividades que são privativas do Enfermeiro e existem atividades que são compartilhadas com outros membros da equipe de enfermagem e com outros profissionais da área da saúde.

Desta forma, atribuições ou funções da enfermagem que não são privativas por Lei, podem ser compartilhadas com outras profissões da área da saúde.

Seguindo este mesmo entendimento, existem atividades da enfermagem que também são compartilhadas com ocupações ou ofícios não regulamentados por lei como profissões, todavia, são reconhecidas e registradas pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Geralmente estes ofícios ou trabalhos não regulamentados por lei, possuem formação profissional de nível médio e nível técnico. Os exemplos mais comuns de ocupações relacionadas a Enfermagem de nível médio são: Auxiliar ou Técnico de laboratório e análise clínica, Técnico de imobilização ortopédica, Técnico em saúde bucal, Técnico em farmácia, Cuidador de Idosos, Agente Comunitário de Saúde, entre outros.

Estes trabalhadores geralmente compartilham funções com a Enfermagem, porém em ambientes que não são consideradas instituição de saúde. Por exemplo, o cuidador de idosos atua no domicílio ou em instituições de longa permanência para idosos (ILPIis), possui um Projeto de Lei nº 76/2020 que pretende criar e regulamentar as profissões de Cuidador de Pessoa Idosa, Cuidador Infantil, Cuidador de Pessoa comDeficiência e Cuidador de Pessoa com Doença Rara e dá outras providências. O PL está em tramitação no Senado Federal e desde 05 de outubro de 2021 está pronto para ser pautado na Comissão de Assuntos Sociais.

Outro exemplo, é do técnico em farmácia que sua atuação é limitada para estabelecimentos farmacêuticos, e a nível hospitalar ou da atenção básica atua nos dispensários de medicamentos vinculados a uma farmácia Central. Mais um exemplo importante de ser mencionado é o caso dos agentes comunitários de saúde que realizam aferição de sinais vitais e glicemia capilar a nível domiciliar, limitados aos programas de atenção a saúde básica. Além disso, temos os auxiliares de laboratório, que atuam realizando coleta de materiais para exames em laboratório e m ra =hospitalar atuam nes
serviços de coletas vinculados a laboratório central.

Além disto, entende-se que no ambiente domiciliar, a assistência ao paciente também pode ser realizada por pessoas leigas, com ou sem vínculo familiar, conhecidos como cuidadores.

Além disto, entende-se que no ambiente domiciliar, a assistência ao paciente também pode ser realizada por pessoas leigas, com ou sem vínculo familiar, conhecidos como cuidadores.

V – CONCLUSÃO

Diante do exposto, discordo do Parecer nº 0081/2021 da CTLN, e concluo pela legalidade do Enfermeiro em capacitar e delegar ao paciente, cuidador familiar leigo e/ou responsável legal, à realização de Aspiração Traqueal, à nível domiciliar.
Após análise da matéria e de forma mais ampliada, entendo que não há nenhum impedimento técnico-científico, ético e legal para que o profissional ENFERMEIRO capacite e delegue ao paciente, cuidador familiar leigo e/ou responsável legal, à realização de procedimentos técnicos e cuidados a nível domiciliar.

Conforme mencionado no mérito deste parecer, não há nenhuma ilegalidade neste ato educativo, visto que à nível domiciliar não existe obrigatoriedade legal para que procedimentos técnicos sejam realizados exclusivamente por profissionais de enfermagem, conforme Lei Federal 7.498/ 1986 e Constituição Federal de 1988.

Quanto ao requisito técnico e científico, verifica-se que o PAD em tela, trata-se especificamente da realização do procedimento de aspiração traqueal, realizado por cuidadores familiares leigos no ambiente domiciliar. Quanto a este aspecto, cabe ressaltar que os procedimentos realizados a nível domiciliar, irão dispor de igual rigor técnico-científico necessário ao ambiente hospitalar ou nos estabelecimentos de saúde, ou seja, as técnicas não são alteradas, independente do ambiente onde elas forem executadas. O treinamento fornecido pelo Enfermeiro deve ser rigoroso e conter a
técnica passo a passo, além de informar os riscos envolvidos, os cuidados necessários com materiais e equipamentos, a assepsia adequada e as possíveis complicações.

Assim, quando a capacitação do cuidador familiar leigo, no âmbito da equipe de enfermagem, o ENFERMEIRO é o profissional mais adequado, pois dispõe de conhecimento teórico, científico e prático.

No caso em questão, deve ficar esclarecido que a técnica executada não muda de acordo com o ambiente, seja ele hospitalar ou domiciliar. O que altera, no ambiente domiciliar, é a prerrogativa de QUEM pode executar o procedimento e
consequentemente, este executor irá ser responsável pelas consequências, nas diversas instâncias, tais como: civil e criminal. Assim, no caso em que o cuidador familiar leigo assumir o risco de realizar procedimentos técnicos em seus familiares e parentes no seu domicilio, como uma forma de prestar cuidados a eles, cabe a este cuidador a responsabilidade pelos seus atos, não tendo o Estado como intervir ou proibi-lo. Exceto, nos casos de comprovado maus tratos e grave descuido com o parente sob tutela, onde nestes casos são acionados serviços de assistência social, e em casos extremos podem ser acionado polícia civil, com abertura de inquérito criminal, acionar a olícia civil ( e o ministério público, se necessário).

Todavia, nos ambientes em que a atividade fim envolve a saúde dos usuarios, através dos serviços públicos e privados, os procedimentos que envolvem rigor técnico e conhecimento científico deverão ser realizados obrigatoriamente por profissionais legalmente habilitados e inscritos nos respectivos conselhos de classe, não cabendo a leigos esta responsabilidade.

É importante deixar claro que o familiar cuidador pode contratar assistência especializada de profissionais regularmente aptos e habilitados para exercer os cuidados que exigem rigor técnico e científico no atendimento ao parente sob sua tutela. E neste caso, a responsabilidade do cuidado e da assistência recaí sobre o profissional contratado, podendo responder por suposta negligência, imperícia ou imprudência, nas diversas esferas: cível, criminal e ética.

Este é o meu parecer, salvo MJP.

Belo Horizonte, 17 de dezembro de 2021

CONSELHEIRA FEDERAL LISANDRA CAIXETA DE AQUINO

 

REFERENCIAS

BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988.
_Decreto 94. 406, de 08 de junho de 1987. Regulamenta a Lei número 7. 498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da enfermagem, e dá outras providências. Brasília, DF, 1987. Disponível em: http://Www.cofen.gov.br/decreto—n9440687 4173.html. Acesso em: 10 jun. 2021.

Lei nº. 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, e dá outras providências. Brasília, DF, 1986. Disponível em:
http:/lwww.planaltªgovbr/ccivil 03/LEIS/L7498.htm. Acesso em: 10 jun. 2021.

Lei nº. 5905, de 12 de julho de 1973. Dispõe sobre a criação dos Conselho Federal e Regionais de enfermagem, e dá outras providências. Brasília, DF, 1973.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/LEIS/L5905.htm. Acesso em: 10
jun. 2021.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução Cofen nº 582 de 17 de julho de 2018. Veda a participação do Enfermeiro no ensino de práticas de Enfermagem que exija aplicação de conhecimentos técnico—científicos em atividades
de formação de Cuidador de Idosos.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM Resolução Cofen nº 564 de 06 de novembro de 2017. Aprova o nºvo Código de Ética de Enfermagem.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução Cofen nº 557 de 23 de agosto de 2017. Aprova, no âmbito da Equipe de Enfermagem, o procedimento de Aspiração de Vias Aéreas.

BRASIL, Ministério Da Saúde. Caderno de Atenção Domiciliar; Melhor em Casa – a segurança do hospital no conforto do seu lar. Estabelece regras para gestão do cuidado na atenção domiciliar. Brasília – DF, 2013.

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