PARECER DE CONSELHEIRA FEDERAL N° 199/2021/COFEN.


18.01.2022

PARECER DE CONSELHEIRA FEDERAL N° 199/2021/COFEN.

 

 

 

Competência técnico-científica, ética e legal dos profissionais de enfermagem na execução de cateterismo vesical de alívio e análise referente ao dimensionamento, fiscalização do exercício profissional, demanda de mercado e impacto trabalhista

 

 

HISTÓRICO

 

O presente parecer resulta de um pedido de vista à Presidente do Conselho Federal de Enfermagem, Dra. Betania Maria Pereira dos Santos, Coren PB 42725 ENF, na 529a Reunião Ordinária de Plenária, realizada no período de 24 a 28 de maio de 2021, ao item 49 da pauta referente ao Processo Administrativo no 183/2021 – Coren-SE e ao Parecer Conjunto de Câmara Técnica NO 14/2021/COFEN/CTLN/CTAS cujo consulente solicitava ao Conselho Federal de Enfermagem a alteração da Resolução Cofen 450/2013 , para estabelecer que o cateterismo vesical de alívio pudesse ser realizado por Técnicos de Enfermagem em Home Care com a alegação de que o procedimento já é realizado por familiares ou pelo próprio paciente, quando necessário.

Assim, mesmo concordando com os argumentos legais apresentados no parecer supra citado, essa conselheira federal entende que o mesmo não responde à consulta integralmente, ou seja, avaliando outras vertentes que vão além da legalidade, tais quais: análise da competência técnico-científica, ética e legal, além da análise do dimensionamento da equipe de enfermagem, fiscalização do exercício profissional, demanda de mercado e impacto trabalhista.

Justifique-se também o presente detalhamento tendo em vista que o nível médio configura aproximadamente dois milhões de profissionais de enfermagem no Brasil e passam por situações adversas diariamente em seus locais de trabalho, particularmente no enfrentamento à pandemia pelo Coronavírus; merecem uma resposta sensível a suas lutas diárias, por isso passo para uma análise mais aprofundada dos argumentos citados acima e amplio a discussão com novos aspectos debatidos em Plenária.

O parecer consiste em estudo bibliográfico atualizado com citação das referências conforme normas da ABNT bem como adequação da ementa, mérito e conclusão.

O cateterismo vesical ou cateterismo de vias urinárias é um procedimento invasivo que tem por finalidade alcançar a luz da bexiga com o objetivo de esvaziá-la, determinar urina residual em casos de bexiga neurogênica, monitorar débito urinário e ainda de colher urina em técnica asséptica para exames. Pode ser cateterismo vesical de alivio, quando o cateter é retirado logo após o procedimento ou realizado de forma intermitente, ou ainda, cateterismo vesical de demora, quando é necessário a manutenção de cateter uretral na bexiga por um período de tempo maior.

Para realizar o cateterismo vesical de alivio, intermitente ou não e de demora é necessário que o profissional tenha habilidade, conhecimento técnico-científico e experiência e que no momento do procedimento saiba identificar alterações anatômicas, quadros clínicos que requeiram tomada de decisão imediata e que tenha atenção especial às queixas do paciente.

De igual importância, devem ser avaliados os riscos associados ao cateterismo vesical de alivio que podem ocorrer tanto com pacientes quanto com profissionais que executam o cuidado- Em relação aos riscos para pacientes os mais comuns são infecções do trato urinário, trauma das vias urinárias, riscos de posicionamento como fraturas, quedas, riscos emocionais e psicológicos devido à exposição corporal. Para os profissionais, os riscos estão relacionados principalmente ao sub dimensionamento, à falta de treinamento da técnica em si necessária ao procedimento, à interpretações que podem estar relacionadas ao abuso ou assédio sexual.

Quanto ao aspecto técnico-científico, todas as categorias profissionais de enfermagem estão aptas para o preparo do material, posicionamento do paciente durante o procedimento, destino final ao material após o atendimento, mas somente o Enfermeiro está apto e possui competência técnica e científica para realizar o procedimento.

A Resolução Cofen 564/2017, que regulamenta o Código de Ética de Enfermagem, estabelece como um dos deveres da equipe de enfermagem o artigo:

Art. 43 Respeitar o pudor, aprivacidade e a intimidade da pessoa, em todo seu ciclo vital e nas situações de morte e pós-morte.

O cateterismo vesical deve ser realizado em privacidade e sem exposição do paciente, para que sinta confortável e respeitado durante o procedimento. Considere-se também que presença do profissional de nível médio é imprescindível para a segurança do procedimento tanto para o paciente, pois prepara o material e auxilia no posicionamento adequado, quanto para o profissional que executa, por ser um procedimento que exige exposição de partes íntimas, o apoio de um profissional de nível médio pode evitar futuras suspeitas de abuso ou assédio sexual. Alguns serviços de saúde já possuem protocolos de “procedimentos a quatro mãos”, que institucionalizam, por segurança, dois profissionais no procedimento, o executor e o auxiliador.

Essa mesma resolução estabelece como proibições:

Art. 62 Executar atividades que não sejam de sua competência técnica, científica, ética e legal ou que não ofereçam segurança ao profissional, à pessoa, à família e à coletividade.

Art. 77 Executar procedimentos ou participar da assistência à saúde sem o consentimento formal da pessoa ou de seu representante ou responsável legal, exceto em iminente risco de morte.

Art 91 Delegar atividades privativas do Enfermeiro a outro membro da equipe de Enfermagem, exceto nos casos de emergência.

Parágrafo único: Fica proibido delegar atividades privativas a outros membros da equipe de saúde

Observa-se que os artigos são claros ao trazerem as normatizações éticas para o exercício profissional.

O artigo 77, ao citar o consentimento formal da pessoa, perpassa também sobre o sexo do profissional que irá executar o procedimento que exige exposição íntima do paciente, devendo ser respeitada a preferência do paciente dentro do contexto do processo de Enfermagem, com avaliação do Enfermeiro.

O artigo 91 estabelece que ao Enfermeiro é proibido delegar atividades privativas, o que evidencia que o Enfermeiro somente poderá delegar suas atividades privativas após avaliar e caracterizar a emergência, dentro do âmbito da equipe de Enfermagem.

Portanto, do ponto de vista ético, permanece o entendimento de que todas as categorias de enfermagem possuem competência ética para participarem como apoio, mas somente o Enfermeiro possui competência para executar o procedimento de cateterismo vesical de alívio ou de demora.

A Lei 7.498/1986 e o Decreto no 94.406/1987 que regulamentam o Exercício Profissional de Enfermagem, e determinam que compete ao Enfermeiro, de maneira privativa, realizar a consulta de enfermagem, prescrever a assistência de enfermagem e executar cuidados diretos de enfermagem a pacientes graves com risco de vida, além dos cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas.

Ao profissional técnico em enfermagem compete executar ações assistenciais de Enfermagem, exceto as privativas do Enfermeiro, observado o disposto no Parágrafo único do Art. I I da referida lei.

Ao profissional auxiliar de enfermagem compete observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas, executar ações de tratamento simples e prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente.

Importante pontuar que a Lei 7.498/1986, ao trazer as atribuições privativas do Enfermeiro, não determina quais procedimentos de Enfermagem são considerados privativos. No entanto, a Lei 5.905/1973, que criou o Sistema Cofen/ Conselhos Regionais de Enfermagem, regulamenta que cabe ao Conselho Federal de Enfermagem normatizar as ações de enfermagem. Está, portanto, legitimada a Resolução 450/2013, ao determinar que o procedimento de cateterismo vesical de alivio e demora é atividade privativa do Enfermeiro, porém cabe a adequação do dimensionamento para que isso ocorra de forma segura para a equipe de enfermagem como um todo.

Portanto, sob o ponto de vista legal os profissionais de enfermagem de nível médio possuem competência para acompanhar e auxiliar no cateterismo vesical antes, durante e depois, mas somente o Enfermeiro está apto, privativamente, para a execução do cateterismo vesical de alívio e demora.

Ainda deve ser mencionado que o dimensionamento inadequado pode comprometer a qualidade da assistência de enfermagem, não apenas no cateterismo vesical, mas em todos os demais cuidados realizados pela equipe de enfermagem. Quanto ao tema discutido neste parecer, caso a necessidade da realização das atividades privativas do Enfermeiro, pelo profissional de enfermagem de nível médio, seja justificada pela ausência e/ou inexistência de enfermeiro no serviço, ou ainda pelo quantitativo insuficiente deste profissional para atender a demanda privativa, os profissionais deverão fazer denúncia ao Conselho Regional de Enfermagem da sua jurisdição. Esta denúncia será direcionada para o Departamento de Fiscalização, que irá avaliar o dimensionamento “in loco” ou através do último relatório de fiscalização e na sequência tomar as providências cabíveis. Não se considera as situações de sub dimensionamento uma hipótese de exclusão de responsabilidade visto que se trata de uma situação previsível e evitável, porém cabe aos gestores e representantes legais das instituições compartilharem

essa responsabilidade, principalmente após terem sido notificados pela fiscalização de que o seu quantitativo de enfermeiros está inadequado para atender demandas privativas.

Enquadra-se nesse entendimento as empresas de Home Care que, em sua maioria, não contratam Enfermeiros em número suficiente para a execução de suas atividades privativas. Ainda que haja pressão e exigência de mercado, devem os profissionais de enfermagem atentarem para os dispositivos técnico científicos, éticos e legais que norteiam a profissão, garantindo assim a segurança e a qualidade da assistência de enfermagem.

Portanto, do ponto de vista da Fiscalização, uma das funções do sistema Cofen/ Conselhos Regionais de Enfermagem, é garantir que somente Enfermeiros estão aptos a executarem as atividades privativas sob sua responsabilidade. A exceção à regra caberá somente se for executada em situações configuradas como urgência e emergência, e devidamente documentada para futura análise.

Importante ressaltar ainda que, se circunstâncias de urgência e emergência forem recorrentes e se não ocorrer a adequação do dimensionamento do Enfermeiro para cobrir essas demandas, poderá ser considerado desvio de função por parte do profissional de enfermagem de nível médio, que pode causar impacto trabalhista ao empregador, ainda que para este, enquanto demanda de mercado, pareça mais atraente e mais lucrativo que procedimentos privativos do Enfermeiro sejam realizados por profissionais de nível médio, de menor ônus.

O possível desvio de função citado acima reduz o número de vagas para enfermeiros, gerando consequentemente, sobrecarga de trabalho aos técnicos e auxiliares de enfermagem que já tem um volume grande de atividades. Além disso, os profissionais de enfermagem sofrem pressão das instituições para se submeterem à precárias condições de trabalho, muitas vezes relacionadas ao sub dimensionamento, falta de equipamentos, materiais e insumos. Neste período de pandemia pela Convid 19, a enfermagem sofre com a falta de equipamentos básicos de proteção individual como máscaras e luvas, gerando desassistência e contaminação destes profissionais.

Portanto, sob a ótica trabalhista, também não se observa amparo para que profissionais de enfermagem de nível médio executem procedimentos privativos do Enfermeiro.

Acrescente-se que embora esse parecer tenha o objetivo de atender uma consulta específica referente à realização de cateterismo vesical de alivio por técnicos e auxiliares de enfermagem em Home Care, por analogia, pode ser aplicado aos demais procedimentos privativos do enfermeiro.

Vale ressaltar ainda que o cateterismo vesical de alivio ou de demora não são procedimentos isolados e devem ser considerados dentro do processo de enfermagem, no contexto da Resolução Cofen 358/2009, a partir da consulta de enfermagem, do diagnóstico e prescrição de enfermagem.

CONCLUSÃO

Após análise do tema sob os aspectos técnico-científico, ético, legal e avaliação de outras vertentes, tais como dimensionamento, fiscalização do exercício profissional, demanda de mercado e impacto trabalhista fica elucidado que o procedimento de cateterismo vesical é atividade privativa do Enfermeiro, motivo pelo qual voto pela manutenção da Resolução 450/2013 que trata do Cateterismo vesical de demora e de alivio.

Sugiro que seja acrescentada à Resolução Cofen 450/2013 que a presença do profissional de nível médio é imprescindível para a segurança do procedimento tanto para o paciente quanto para o Enfermeiro que executa. Entendo que é importante constar na Resolução que é da responsabilidade do nível médio preparar o material e o ambiente necessário para a execução do cateterismo vesical de alivio e de demora, auxiliar durante o procedimento abrindo material, posicionando o paciente e após o procedimento dando destino ao material utilizado e encaminhando para laboratório quando for coletado material para exames.

Quadro resumo sobre a competência dos profissionais de enfermagem em procedimentos relacionados ao cateterismo vesical de demora e de alívio:

 

PROCEDIMENTO / ETAPA COMPETENCIA
Consulta de Enfermagem Enfermeiro (privativo)
Diagnóstico de Enfermagem Enfermeiro (privativo)
Prescrição da assistência de Enfermagem Enfermeiro (privativo)
Observar e reconhecer sinais e sintomas Enfermeiro, Técnico e Auxiliar de

Enfermagem

Preparo do material para realização do cateterismo vesical Enfermeiro, Técnico e Auxiliar de

Enfermagem

Preparo do ambiente para realização do cateterismo vesical Enfermeiro, Técnico e Auxiliar de

Enfermagem

Posicionamento do paciente para a realização do cateterismo vesical Enfermeiro, Técnico e Auxiliar de

Enfermagem

Auxílio durante a realização do cateterismo vesical Enfermeiro, Técnico e Auxiliar de

Enfermagem

Execução do cateterismo vesical Enfermeiro (privativo)
Destino correto do material após a realização do cateterismo vesical Enfermeiro, Técnico e Auxiliar de

Enfermagem

Encaminhamento de material coletado durante o cateterismo vesical para exames Enfermeiro, Técnico e Auxiliar de

Enfermagem

Levantamento de anormalidades durante o procedimento de cateterismo vesical Enfermeiro, Técnico e Auxiliar de

Enfermagem

Anotação do cateterismo vesical no prontuário Enfermeiro, Técnico e Auxiliar de

Enfermagem

Evolução do cateterismo vesical e avaliação dos resultados esperados Enfermeiro (privativo)

 

Este é o meu parecer, salvo MJP

Belo Horizonte, 15 de junho de 2021

Dra. Lisandra Caixeta de Aquino

Coren p 118.636-ENF

Conselheira Federal

 

REFERENCIAS:

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução Cofen 358 de 15 de outubro de 2009. Dispõe sobre a Sistematização de Enfermagem e a Implementação do Processo de Enfermagem em ambientes públicos ou privados, em que ocorre o cuidado de Enfermagem e dá outras providências.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução Cofen 450 de 11 de dezembro de 2013. Normatiza o procedimento de Sondagem Vesical no âmbito do Sistema Cofen/ Conselhos Regionais de Enfermagem.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução Cofen 564 de 06 de novembro de 2017. Aprova o novo Código de Ética de Enfermagem.

Decreto 94.406, de 08 de junho de 1987. Regulamenta a Lei número 7.498, de 25 dejunho de 1986, que dispõe sobre o exercício da enfermagem, e dá outras providências. Brasília, DF, 1987. Disponível em:http://www.cofen.gov.br/decreto-n9440687 4173.html. Acesso em: 10 jun. 2021.

Lei no. 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, e dá outras providências. Brasília, DF, 1986. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03fLEIS/L7498.htm. Acesso em: 10 jun. 2021.

Lei no. 5905, de 12 dejulho de 1973. Dispõe sobre a criação dos Conselho Federal e Regionais de enfermagem, e dá outras providências. Brasília, DF, 1973. Disponível em: http://wvvw.planalto.gov.br/ccivil_03fLEIS/L5905.htm. Acesso em: 10 jun. 2021..

MOLLER, Gisele; MAGALHÃES, Ana Maria Müller de. Banho no leito: carga de trabalho da equipe de enfermagem e segurança do paciente. Texto & contexto enfermagem. Florianópolis, v. 24, n. 4, p. 1044-1052, 2015. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/131355. Acesso em: 09 jun. 2021.

POTTER, Patricia Ann; PERRY, Anne Grifin. Fundamentos de enfermagem. Elsevier Brasil, v. 9, 2018.

PRADO, ML et al Fundamentos para o cuidado profissional de Enfermagem, 3 a Ed.F10rianóp01is: UFSC, 2013. 548 p.

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