PARECER Nº 6/2024/COFEN/CAMTEC/CTESNC


19.12.2024

PROCESSO Nº 00196.003409/2024-13

ASSUNTO: Atuação da equipe de enfermagem nos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes em situação de orfandade

 

Parecer versa sobre atuação da equipe de Enfermagem nos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes em situação de orfandade.

 

Senhor Coordenador Geral da CAMTEC

Dr. Josias Neves Ribeiro

I. RELATÓRIO

Trata-se de manifestação do Processo SEI nº 00196.003409/2024-13 e Ofício nº 2400/2024/STec/GTec/CGEST-CFP (SEI nº 0289904), acerca da atuação da equipe de enfermagem nos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes em situação de orfandade. Conforme Portaria COFEN nº 903/2024 (SEI nº 0290781), a Chefe do Departamento de Gestão do Exercício Profissional, Dra. Tatiana Maria Melo Guimarães, foi designada para representar este Conselho na referida reunião.

Durante o encontro, foi deliberado que um levantamento sobre a atuação da equipe de enfermagem nos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes em situação de orfandade seria necessário. Dessa forma, foi solicitado análise e orientações pertinentes acerca do papel e das práticas da equipe de enfermagem nesses serviços de acolhimento.

É o relatório, em síntese. Passa-se à análise.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O acolhimento infantil é uma medida protetiva, excepcional e temporária. Prevista em lei – tanto na Constituição Federal, quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem como objetivo o abrigamento de meninas e meninos que estejam em situação de vulnerabilidade, maus-tratos, abandono, violência física, abuso sexual ou outra situação que viole a garantia de proteção e dignidade.

O serviço de acolhimento institucional destina-se a crianças e adolescentes de ambos os sexos até 18anos de idade, bem como Pessoa com Deficiência – PcD e crianças afastadas das famílias, impossibilitadas de cumprir temporariamente a função cuidativa e protetora. Caracterizado como um serviço de proteção social complexo, o acolhimento visa medidas protetoras e de cuidados à criança/adolescente e família. Estes serviços devem primar pelo atendimento individualizado e pela excelência, no sentido de atenuar o afastamento da criança/adolescente do convívio familiar e promover a autonomia das crianças/adolescentes acolhidas (Paiva et al., 2019).

É fundamental, nesse processo, que os cuidadores estejam, também, suportados por uma rede de apoio, a fim de que possam assegurar um cuidado singular e multidimensional (Çatay; Koloğlugil, 2017). Portanto, para que haja efetividade nas intervenções realizadas junto às crianças e aos adolescentes acolhidos, faz-se necessário uma articulação entre os diversos órgãos envolvidos na prestação de serviços a esse público e na defesa de seus direitos. Os Serviços de Acolhimento não podem ser vistos, portanto, de forma isolada, pois constituem serviços que integram o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), tendo interface com os demais serviços da rede socioassistencial das diversas Políticas Públicas e com os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos.

O acolhimento de crianças/adolescentes nas instituições é da responsabilidade dos profissionais do serviço social, no manual Orientações técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2009) não prevê a inserção da equipe de enfermagem na equipe técnica do serviço de acolhimento institucional, já o estudo realizado por Souza et al. (2019) destacaram, nesse processo, a importância das atribuições do enfermeiro num serviço de acolhimento institucional para criança/adolescente. Estas destacam-se pela capacidade singular de apreender o ser humano, bem como os pequenos e/ou grandes eventos do dia a dia, numa compreensão de integralidade através de atitudes e ações interativas que lhe são próprias.

O Enfermeiro tem a responsabilidade de realizar a promoção, a educação e os cuidados de saúde. Além dessas funções, o enfermeiro exerce outras atividades de caráter gerencial, assistencial, social e político, as quais não se esgotam em espaços tradicionais e/ou práticas pontuais e lineares (Salomão et al., 2016). De fato, a enfermagem é uma profissão socialmente relevante em diversos espaços, capaz de produzir ações de saúde por meio de um saber próprio, articulado com os demais membros da equipe multiprofissional de saúde (Ferreira et al., 2018; Salomão et al., 2016).

Diante dos fatos, é de suma importância levar em consideração em seu Artigo 11º da Lei do exercício profissional da Enfermagem, Lei nº 7.498/1986, o enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe:

I – privativamente:

(…)

i) consulta de enfermagem;

j) prescrição da assistência de enfermagem;

m) cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas; (Grifo nosso)

II – como integrante da equipe de saúde:

(…)

f) prevenção e controle sistemático de danos que possam ser causados à clientela durante a assistência de enfermagem; (Grifo nosso)

(…)

Adicionalmente, conforme o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, Resolução Cofen nº 564/2017, são direitos e deveres do profissional de enfermagem:

Art. 1º Exercer a Enfermagem com liberdade, segurança técnica, científica e ambiental, autonomia, e ser tratado sem discriminação de qualquer natureza, segundo os princípios e pressupostos legais, éticos e dos direitos humanos.

 

Art. 4º Participar da prática multiprofissional, interdisciplinar e transdisciplinar com responsabilidade, autonomia e liberdade, observando os preceitos éticos e legais da profissão.

 

Art. 6º Aprimorar seus conhecimentos técnico – científicos, técnico – político, socioeducativos, históricos e culturais que dão sustentação à prática profissional.

 

Art. 38 Prestar informações escritas e/ou verbais, completas e fidedignas, necessárias à continuidade da assistência e segurança do paciente.

 

Art. 39 Esclarecer à pessoa, família e coletividade, a respeito dos direitos, riscos, benefícios e intercorrências acerca da assistência de Enfermagem.

Desta forma, antes de realizar qualquer procedimento, o Enfermeiro deve avaliar sua competência técnico – científica e buscar o aprimoramento necessário para garantia da segurança do paciente. Assim, o Enfermeiro tem competência técnica e legal para atuar nos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes em situação de orfandade.

Embora seja admitida a necessidade da presença do enfermeiro num serviço de acolhimento institucional, a legitimação da diferenciação das suas atribuições ainda requer validações técnico – científicas que promovam o seu reconhecimento legal e social, que no Brasil é, ainda, incipiente. O estudo realizado por Gabatz et al., (2019), reafirma a importância do enfermeiro de um serviço de acolhimento institucional onde eles devem ter sensibilidade e percepção, além de saber escutar, observar, investigar e possibilitar práticas proativas de promoção da saúde e prevenção da violência.

Neste contexto, o cuidado com crianças e adolescentes em serviços de acolhimento institucional transcende a rotina diária da alimentação, da higiene, do banho, do vestuário, da deslocação à escola, da medicação, entre outros aspectos pontuais ligados ao cuidar de crianças e adolescentes.

O cuidado, sob esse enfoque, supõe práticas singulares, multidimensionais e multiprofissionais, capazes de ir além dos reducionismos tradicionais, tal como Morin (2015) defendeu. O Protocolo de atribuições do enfermeiro para um serviço de acolhimento institucional para crianças e adolescentes elaborado por Vasconcelos et al., (2022, p. 5) divide atuação do enfermeiro em 4 dimensões:

1- Dimensão: Atribuições Gerenciais

a) Organiza e coordena o processo de cuidado em saúde

b) Planeja, implementa e participa dos programas de formação e qualificação continua dos integrantes da equipe multiprofissional

c) Elabora e avalia o plano individualizado de cuidados a partir de um sistema de registro de Enfermagem

d) Elabora as escalas de serviço diário e mensal dos técnicos de Enfermagem

e) Educadores/cuidadores de acordo com as necessidades

f) Supervisiona a utilização e conservação correta de materiais e medicamentos

g) Dinamiza e coordena as atividades da equipe de Enfermagem

h) Estabelece a interlocução com a direção institucional

2- Dimensão: Atribuições assistencial

a) Identifica as necessidades de cuidado em saúde a partir da sistematização da Assistência de Enfermagem

b) Promover o cuidado singular a criança/adolescente, família e /ou responsáveis

c) Zelar pelo cuidado integral e o bem-estar da criança/adolescente e da família

d) Realizar os cuidados de maior complexidade de Enfermagem

e) Acompanhar as urgências e emergências

f) Avaliar o processo de cuidado integral a criança e adolescente

3- Dimensão: Atribuições educativas

a) Planejar e implementar programas de educação e promoção a saúde, considerando a especificidade de cada criança/adolescente e família.

b) Orienta para o autocuidado em saúde, a partir do envolvimento da criança/adolescente e família nos cuidados

c) Orienta a família sobre o cuidado integral a criança/adolescente

d) Orienta educadores/cuidadores quanto as práticas educativas diárias a criança/adolescente

e) Sensibiliza os cuidados/educadores para possíveis riscos

4- Dimensão: Atribuições sociais e políticas

a) Estabelece relações com o controle social, reconhecendo a estrutura e as formas de organização de rede de atenção social

b) Promover a interlocução com as famílias e comunidade

c) Compreende a política de saúde no contexto das políticas sociais, reconhecendo os perfis epidemiológicos das famílias envolvidas

d) Reconhece a saúde como direito social e atua de forma a garantir a integralidade do cuidado no âmbito familiar e social

e) Promove atividades sociais e culturais a criança/adolescente e família

f) Contribui para a ressocialização da criança/adolescente no ambiente familiar e social

g) Assume o compromisso técnico, ético, humanístico e social que envolve o respeito pela singularidade da criança/adolescente e familiares

h) Promove atividades intersetoriais e culturais

III. CONCLUSÃO

Ante o exposto, enquanto integrantes da Câmara Técnica de Enfermagem em Saúde do Neonato e da Criança somos unânimes em ratificar que a equipe de enfermagem desempenha um papel essencial nos serviços de acolhimento, contribuindo para a promoção da saúde integral das crianças e adolescentes em situação de orfandade e a necessidade de incluir a equipe de enfermagem na equipe técnica do serviço de acolhimento institucional no manual Orientações técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

 

À consideração superior.

Brasília/DF, 29 de outubro de 2024.

 

Parecer elaborado por Dra. Ivone Amazonas Marques Abolnik, Coren-AM 82.356-ENF, Dra. Gabrielle Almeida Rodrigues, Coren-RR 142.829-ENF, Dr. Rubens Alex de Oliveira Menezes, Coren-AP 457.306-ENF, Dra. Maristela Assumpção de Azevedo, Coren-SC 0033234-ENF, Dra. Yonara Pereira de Araújo Gaio, Coren-AC 146.840-ENF e Dra. Talita Pavarini Borges de Souza, Coren-SP 303.597-ENF

 

REFERÊNCIAS

 

Brasil. Lei 7498/ 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7498.htm. Acesso em 21 de novembro de 2023.

 

Çatay, Z., & Koloğlugil, D. (2017). Impact of a support group for the caregivers at an orphanage in Turkey. Infant Mental Health Journal, 38(2), 289-305. https://doi.org/10.1002/imhj.21629.

 

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (2009). Orientações técnicas: Serviços de acolhimento para crianças e adolescentes (2ª ed.). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Conselho Nacional de Assistência Social. http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/orientacoes-tecnicasservicos-de-alcolhimento.pdf.

 

Conselho Federal de Enfermagem. Resolução nº 564, de 6 de novembro de 2017. Aprova o novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Brasília, DF: Cofen, 2017. Disponível em: https://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-5642017/. Acesso em: 22 abr. 2020.

 

Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (2023). Sistema de Justiça debate vulnerabilidades trazidas pela orfandade. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/sistema-de-justica-debate-vulnerabilidades-trazidas-pelaorfandade/. Acesso em 27. set. 2024.

 

Ferreira, S. R., Périco, L. A., & Dias, V. R. (2018). A complexidade do trabalho do enfermeiro na atenção primária à saúde. Revista Brasileira Enfermagem, 71(1, Supl.), 752-757. https://doi.org/10.1590/0034-7167- 2017-0471.

 

Gabatz, R. I., Schwartz, E., & Milbrath, V. M. (2019). Institutionalized child care experiences: The hidden side of work. Revista Gaúcha de Enfermagem, 40, 1-9. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180412.

 

Morin, E. (2015). Introdução ao pensamento complexo (5ª ed.). Sulina.

 

Paiva, I. L., Moreira, T. A., & Lima, A. M. (2019). Acolhimento jnstitucional: Famílias de origem e a reinstitucionalização. Revista Direito e Práxis, 10(2), 1405-1429. https://doi.org/10.1590/2179- 8966/2019/40414.

 

Salomão, P. R., Wegner, W., & Canabarro, S. T. (2016). Crianças e adolescentes abrigados vítimas de violência: Dilemas e perspectivas da enfermagem. Revista Rene, 15(3), 391-401. http://doi:10.15253/2175- 6783.2014000300003.

 

Souza, L. A., Bachion, M. M., & Pereira, L. V. (2019). The integrality care in patients with chronic pain: A reflection about using of the coping. Nursing & Care Open Access Journal, 6(2), 54- 56. http://doi:10.15406/ncoaj.2019.06.00184.

 

Vasconcelos, J., Lomba, M. L., Pestana-Santos, M., & Backes, D. S. (2022). Atribuições do enfermeiro em serviço de acolhimento institucional de crianças e adolescentes: Um estudo Delphi. Revista de Enfermagem Referência, 6(Supl. 1), e21043. https://doi.org/10.12707/RV21014.

 

Documento assinado eletronicamente por:
Dra. Maristela Assumpção Azevedo – Coren-SC 33.234 ENF, Membro da Câmara Técnica de Enfermagem em Saúde do Neonato e da Criança, em 30/10/2024.
Dra. Yonara Pereira de Araújo Gaio – Coren-AC 146.840 ENF, Membro da Câmara Técnica de Enfermagem em Saúde do Neonato e da Criança, em 30/10/2024.
Dr. Rubens Alex de Oliveira Menezes – Coren-AP 47.306-ENF, Membro da Câmara Técnica de Enfermagem em Saúde do Neonato e da Criança, em 30/10/2024.
Dra. Gabrielle Almeida Rodrigues, Membro da Câmara Técnica de Enfermagem em Saúde do Neonato e da Criança, em 30/10/2024.
Dra. Talita Pavarini Borges – Coren-SP 303.597-ENF, Membro da Câmara Técnica de Enfermagem em Saúde do Neonato e da Criança, em 30/10/2024. 
Dra. Ivone Amazonas Marques Abolnik – Coren-AM 82.356-ENF, Coordenador(a) da Câmara Técnica de Enfermagem em Saúde do Neonato e da Criança.

 

Parecer da Câmara Técnica de Enfermagem em Saúde do Neonato e da Criança – CTENSC/Cofen, aprovado na 571ª Reunião Ordinária de Plenário (ROP) em 22 de novembro de 2024. 

 

 

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