PARECER Nº 7/2024/COFEN/CAMTEC/CTLNENF


05.02.2025

PROCESSO Nº 00196.003672/2024-11

ASSUNTO: Parecer Técnico da CTLN

  Solicitação de Parecer Urgente sobre a Legalidade das Atitudes dos Profissionais Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem do Hospital Ânima em Anápolis-GO em Relação ao Movimento de Paralisação.

 

Dr. Josias Neves Ribeiro

Coordenador de Câmaras Técnicas

 

I. RELATÓRIO

Trata-se de solicitação encaminhada por meio do Ofício nº 009/2024, proveniente do Sindicato de Enfermagem de Goiás, sob o número 0296769, que requer análise sobre a legalidade das ações tomadas pelos profissionais enfermeiros e pela direção do Hospital Ânima, localizado em Anápolis-GO, diante do movimento de paralisação dos técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem, cujo objetivo é a reivindicação do pagamento do piso salarial da categoria. O movimento grevista foi iniciado com a finalidade de pressionar o cumprimento da Lei Federal nº 14.434/2022, que estabelece o piso salarial dos profissionais da enfermagem. Nesse contexto, o parecer se destina a analisar a conduta dos profissionais enfermeiros e da direção do hospital durante o período de paralisação.

No entanto, a consulente destaca que o Hospital Ânima, com o intuito de coibir ou mesmo prejudicar o movimento grevista, cometeu uma série de irregularidades, alegando:

  1. Substituição dos Técnicos de Enfermagem em Paralisação: O Hospital Ânima substituiu os técnicos de enfermagem em paralisação por enfermeiros, com o intuito de desmobilizar o movimento.
  2. Retaliações por Coordenadores de Enfermagem: Houve retaliações por parte dos coordenadores de enfermagem contra os técnicos de enfermagem que aderiram ao movimento. Aduz que uma técnica em enfermagem do referido hospital procurou o Sindicato e informou que não conseguia mais continuar com suas atividades no estabelecimento devido às retaliações que estava sofrendo. Momentos depois, a profissional tentou o autoextermínio.
  3. Prescrições e Assinaturas Indevidas: Enfermeiros realizaram prescrições e assinaram documentos em nome dos técnicos de enfermagem.
  4. Jornadas Excessivas: Técnicos de enfermagem foram submetidos a substituições em plantões extras, ultrapassando 24 horas seguidas de trabalho.
  5. Substituição de Profissionais por profissionais sem Registro Local: Aproximadamente 15 técnicos de enfermagem foram trazidos do Distrito Federal para substituir os técnicos em paralisação, sem registro no COREN-GO, possuindo apenas registro no COREN-DF.
  6. Alterações no Sistema de Prontuário Eletrônico: O sistema de prontuário eletrônico do hospital foi alterado para apresentar informações incorretas sobre os profissionais, indicando que técnicos de enfermagem eram enfermeiros registrados no Distrito Federal, quando, na realidade, são técnicos registrados em Goiás.

Por fim, a consulente adita que todas as exigências legais foram devidamente realizadas para a deflagração do movimento e que o número mínimo de profissionais foi mantido em escala de trabalho a fim de garantir que não houvesse prejuízo no atendimento aos pacientes internados. Avulta, ainda, que o Conselho Regional de Goiás foi acionado para averiguar as situações ora questionadas, porém não obteve devolutiva.

Entretanto, em detrimento de todo esse cenário, os enfermeiros do hospital emitiram uma nota, após a visita de fiscalização do COREN-GO, informando que o COREN não havia encontrado nenhuma ilegalidade. Imperioso ressaltar que todos os questionamentos trazidos na petição serão oportunamente analisados.
 

Esse é o relato, passa-se ao parecer.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

A greve é um direito constitucional assegurado aos trabalhadores, conforme disposto no art. 9º da Constituição Federal de 1988, que prevê a possibilidade de paralisação como forma de defesa de interesses coletivos. Contudo, esse direito deve ser exercido de maneira a respeitar os direitos fundamentais da população, especialmente no que se refere aos serviços essenciais, como a saúde, regidos pela Lei nº 7.783/1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve e define as atividades essenciais, regulamentando a relação entre empregados e empregadores durante paralisações no Brasil.

Nos termos dessa lei, o serviço de saúde é considerado essencial e, por isso, deve manter o mínimo de atividades durante qualquer movimento grevista, a fim de garantir a continuidade dos serviços necessários à população. O art. 11 dessa norma impõe a obrigatoriedade de manter em funcionamento, no mínimo, 30% do efetivo, para assegurar a assistência mínima à população, in verbis:

LEI Nº 7.783/1989

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores são obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único: “São consideradas necessidades inadiáveis aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.”

Nesta senda, a lei define atividades essenciais que, em caso de greve, devem ser mantidas com um percentual mínimo de operação. Exemplos incluem: saúde; segurança pública; transporte coletivo; distribuição de energia elétrica; abastecimento de água e serviços funerários. Além disso, é importante destacar que o piso salarial dos profissionais de enfermagem foi recentemente regulamentado pela Lei nº 14.434/2022, que estabelece valores específicos para enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem, garantindo um mínimo a ser observado pelas instituições de saúde, públicas ou privadas. No que se refere à conduta dos profissionais enfermeiros e da direção do Hospital Ânima, é necessário verificar se, de fato, houve obstrução ao direito de greve dos técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem, bem como se foi assegurado o atendimento mínimo aos pacientes, conforme determina a legislação vigente.

 

III. ANÁLISE

Em análise preliminar, deve-se observar se as ações dos enfermeiros e da direção do Hospital Ânima respeitaram a legislação em relação ao direito de greve dos demais profissionais. A eventual tentativa de coação, represália ou impedimento ao exercício legítimo da paralisação poderia configurar ilegalidade. Por outro lado, também deve ser verificado se o hospital garantiu a continuidade dos serviços essenciais, com um mínimo de 30% de trabalhadores em atividade, conforme preconiza a Lei nº 7.783/1989.
Assim sendo, como destacado anteriormente pela consulente (Sindicato), resgatamos os apontamentos tidos como irregulares e faremos uma análise pontual, ora vejamos:

1. Substituição dos Técnicos de Enfermagem em Paralisação: O Hospital Ânima substituiu os técnicos de enfermagem em paralisação por enfermeiros, com o intuito de desmobilizar o movimento

Primeiramente, é importante destacar que a substituição de trabalhadores em greve é uma questão sensível e regulada pela Lei nº 7.783/1989, em seu artigo 7º, o qual proíbe a contratação de trabalhadores substitutos para exercer as atividades dos grevistas, salvo em casos que comprometam a prestação de serviços ou atividades essenciais, conforme definidos pela própria lei. No entanto, a substituição com o intuito de desmobilizar o movimento grevista pode ser vista como uma prática abusiva.

Contudo, no caso mencionado, a substituição de técnicos de enfermagem por enfermeiros durante uma paralisação poderia ser caracterizada como uma tentativa de enfraquecer o movimento grevista, especialmente se essa ação for interpretada como uma medida para manter o funcionamento do hospital sem negociar com os trabalhadores. Se essa ação tiver o propósito de desmobilizar o movimento, ela poderá ser considerada ilegal, e os sindicatos ou trabalhadores podem recorrer ao Poder Judiciário para garantir o cumprimento da lei. Assim sendo, é importante analisar o caso concreto, levando em consideração se o hospital conseguiu justificar a substituição com base na necessidade de manter o atendimento das atividades essenciais, como a prestação de cuidados à saúde. Caso contrário, tal prática poderia ser questionada judicialmente como uma forma de esvaziamento do direito legítimo de greve. Ademais, é imprescindível ressaltar que enfermeiros e técnicos de enfermagem têm formações e atribuições distintas, definidas pela Lei nº 7.498/1986, que regulamenta o exercício da enfermagem no Brasil. Enfermeiros têm uma formação mais ampla e podem realizar atividades tanto de supervisão quanto de execução de cuidados mais complexos.

Dessa forma, é indispensável analisar, previamente, quais foram as contestações trazidas pelo Hospital Ânima, as quais não estão contidas nos autos do presente processo. Assim sendo, o processo em epígrafe carece de maiores informações para afirmar se houve ou não mecanismos utilizados pelo hospital para desmoralizar o movimento grevista. Por fim, a substituição de técnicos de enfermagem por enfermeiros durante uma paralisação pode ser questionada, especialmente se a intenção for desmobilizar o movimento grevista. Entretanto, do ponto de vista técnico, o enfermeiro tem a capacidade de assumir as funções do técnico

2. Retaliações por Coordenadores de Enfermagem: Houve retaliações por parte dos Coordenadores de Enfermagem contra os Técnicos de Enfermagem que aderiram ao movimento. Aduz que uma Técnica de Enfermagem do referido hospital procurou o Sindicato e informou que não conseguia mais continuar com suas atividades no estabelecimento devido às retaliações que estava sofrendo. Momentos depois, a profissional tentou o autoextermínio.

Quanto à grave afirmação de que houve retaliação contra os Técnicos de Enfermagem que aderiram ao movimento grevista, e de que houve uma tentativa de autoextermínio, trata-se de algo extremamente sério. Diante disso, é necessário que sejam adotadas medidas imediatas e estratégicas para proteger os trabalhadores e garantir seus direitos.

Entretanto, assim como no apontamento anterior, não constam nos autos quais foram as retaliações sofridas pelos profissionais grevistas, tampouco foram identificados os enfermeiros ou coordenadores que praticaram as supostas infrações éticas. É de conhecimento geral que é fundamental a identificação dos denunciados, bem como a clara caracterização do delito, de forma precisa e objetiva, a fim de garantir o exercício do direito de defesa.

Ademais, nos termos do artigo 373 do Código de Processo Civil (CPC), cabe à parte que alega um fato (autor ou réu) o dever de prová-lo, ou seja, o ônus da prova recai sobre aquele que acusa.

Por fim, caso sejam identificados os profissionais que cometeram os possíveis ilícitos, bem como as práticas irregulares por eles realizadas, o Sindicato, no exercício de suas atribuições, deve apresentar denúncias formais junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT), à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), reportando tanto as retaliações quanto as condições de trabalho. Ainda, deve encaminhar denúncia ao Conselho Regional de Enfermagem de Goiás para apuração de infrações éticas.

3. Prescrições e Assinaturas Indevidas: Enfermeiros realizaram prescrições e assinaram documentos em nome dos Técnicos de Enfermagem.

As prescrições e assinaturas indevidas configuram uma questão ética e legal significativa no campo da saúde. No caso em questão, os enfermeiros que realizaram prescrições e assinaram documentos em nome dos Técnicos de Enfermagem podem estar cometendo irregularidades, uma vez que há uma separação clara entre as atribuições de cada categoria profissional. Quando um profissional assume a responsabilidade de prescrever ou assinar em nome dos técnicos, há uma deturpação das responsabilidades, levantando questões sobre a responsabilização ética, administrativa e, possivelmente, penal. Essa prática pode ser vista como fraude documental, o que pode acarretar sanções para os profissionais envolvidos e consequências legais para as instituições.

Entretanto, como já mencionado, faz-se indispensável a identificação dos profissionais que praticaram as possíveis condutas infracionais, pois, do contrário, torna-se inviável agir de forma eficaz. Assim, é imperativo que os infratores sejam devidamente identificados.

4. Jornadas Excessivas: Técnicos de Enfermagem foram submetidos a substituições em plantões extras, ultrapassando 24 horas seguidas de trabalho.

Embora o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) venha desempenhando um papel fundamental na defesa dos direitos dos profissionais de enfermagem, incluindo a questão da jornada de trabalho, e, ainda, se manifestado consistentemente em prol de uma carga horária justa e adequada para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem com o objetivo de garantir que a jornada de trabalho seja compatível com a saúde física e mental dos profissionais, além de assegurar a qualidade do atendimento prestado aos pacientes.

No entanto, é de conhecimento geral que a luta pela jornada de trabalho adequada é de competência sindical, pois, como representantes das categorias profissionais, os sindicatos desempenham um papel crucial na defesa dos direitos dos trabalhadores, negociando melhores condições de trabalho e jornadas que respeitem os limites legais e as necessidades dos profissionais. Caso tal preceito esteja sendo violado, cabe ao Sindicato, no caso concreto, fazer uma denúncia ao Ministério do Trabalho ou ao órgão responsável pela fiscalização das condições de trabalho.

5. Substituição de Profissionais sem Registro Local: Aproximadamente 15 Técnicos de Enfermagem foram trazidos do Distrito Federal para substituir os técnicos em paralisação, sem registro no COREN-GO, possuindo apenas registro no COREN-DF.

A substituição de profissionais de enfermagem por técnicos sem registro no Conselho Regional local (COREN-GO) pode levantar sérias preocupações jurídicas e éticas, especialmente por estarem atuando em outra Unidade Federativa, como no Estado de Goiás. No entanto, como bem pontuado na exordial, os profissionais possuíam registro regular no COREN-DF, o que lhes garante o direito de atuar em uma Unidade Federativa distinta por um prazo de até 90 (noventa) dias. Somente após esse prazo é necessário requerer a inscrição secundária, conforme previsão da Resolução COFEN nº 747/2024, que dispõe sobre a atualização do manual de procedimentos administrativos para o registro, cadastro e inscrição de profissionais de enfermagem. Especificamente, o art. 43 da referida resolução que estabelece:

Art. 43: O profissional com inscrição ativa que pretenda exercer suas atividades em mais de uma Unidade da Federação, por prazo superior a 90 (noventa) dias, deverá requerer inscrição secundária.

Nesse sentido, não se vislumbram quaisquer irregularidades cometidas por tais profissionais. Ademais, não foi comprovado pela consulente que a substituição dos profissionais foi utilizada como artifício para fragilizar o movimento grevista.

6. Alterações no Sistema de Prontuário Eletrônico: – O sistema de prontuário eletrônico do hospital foi alterado para apresentar informações incorretas sobre os profissionais, indicando que técnicos de enfermagem eram enfermeiros registrados no Distrito Federal, quando na realidade são técnicos registrados em Goiás.

Diante dessa denúncia trazida pelo consulente, é possível afirmar que tal prática é extremamente grave que pode gerar consequências sérias, tanto no âmbito legal quanto ético. A modificação intencional dos dados para indicar que técnicos de enfermagem são enfermeiros registrados em outra jurisdição constitui uma falsificação de informações, o que pode comprometer a integridade dos registros e a segurança dos pacientes. Além disso, essa prática viola normas de transparência e veracidade que regem os sistemas de saúde, podendo configurar infração ética, administrativa e até penal.

Nesse sentindo, caso se tenha provas quanto a essa prática ilícita, e caso essas tenham sidas praticadas por profissionais de enfermagem, pode-se ser apresentado denúncia ao Conselho Regional de Goiás, sem olvidar da real necessidade da identificação daquele que a cometeu, caso contrário fica prejudicado, ou fragilizado ou dificultoso o andamento da apuração, tornando o processo investigativo mais complexo e, em alguns casos, inviabilizando ações efetivas Entretanto, isso não desqualifica a denúncia por completo. Caso a consulente seja detentora de provas e, sendo os infratores profissionais de enfermagem poderá ser efetuado denúncia no Conselho local.

 

IV. CONCLUSÃO

Por todo exposto contido no processo SEI 00196.00367/2024 – 11 e na legislação vigente, a conduta dos Enfermeiros e da direção do Hospital Ânima será considerada legal desde que:

1. Não tenha havido impedimento ou coação ao exercício do direito de greve dos Técnicos e Auxiliares de Enfermagem;

2. Tenha sido assegurado o atendimento mínimo de 30% durante a paralisação, conforme a legislação dos serviços essenciais;

Assim, conclui-se pela legalidade das atitudes dos Enfermeiros e da direção do hospital, desde que atendidos os requisitos mencionados, resguardado o direito de greve e a manutenção dos serviços essenciais.

Ademais, mediante a apresentação de fatos novos ou documentos que possam influenciar a investigações ou averiguações prévias, bem como a identificação dos possíveis infratores e as condutas por eles cometidas e, sendo esses, profissionais de enfermagem, torna-se possível o reexame da matéria. E, assim sendo, recomenda-se que seja apresentado denúncia ao Conselho Regional de Goiás.

Vale ressaltar, que a própria consulente aduz que houve uma manifestação do Hospital Ânima o qual afirma terem sido submetido a uma fiscalização pelo Regional de Goiás, que destaca a regularidade de todas as condutas durante o movimento grevista.

Conclui-se que, em virtude da ausência de provas concretas apresentada, pelo Sindicato de Enfermagem do Estado de Goiás – SIENF,  tanto para identificar possíveis profissionais infratores, quanto para comprovar as condutas aqui imputadas, não há justificativa para a  continuidade da averiguação neste momento.

 

Esse é o parecer, SMJ

 

Dr. Osvaldo Albuquerque Sousa
Coordenador Interino da CTLN

 

Documento assinado eletronicamente por:

Dr. Osvaldo Albuquerque Sousa Filho – Coren-CE 56.145-ENF, Coordenador(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 12/09/2024.

Parecer aprovado na 3ª Reunião Extraordinária de Plenário (REP), em 4 de dezembro de 2024. 

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