PARECER NORMATIVO Nº 001/2012/COFEN

Inscrição de profissional com habilidade técnica comprovada, porém, com condenação criminal transitada em julgado.

13.07.2017

PARECER NORMATIVO Nº 001/2012/COFEN

 

DPAC. Inscrição de profissional com habilidade técnica comprovada, porém, com condenação criminal transitada em julgado.

 

O Plenário do Conselho Federal de Enfermagem – COFEN, no uso das atribuições que lhe foram conferidas pela Lei nº 5.905, de 12 de julho de 1973, e pelo Regimento Interno da Autarquia, aprovado pela Resolução Cofen nº 421, de 15 de fevereiro de 2012, em seu art. 70, II, §22 c/c art. 72, conforme deliberado na 415º ROP, aprova e atribui força normativa força normativa ao Parecer nº 278-L/2011 da DPAC/PROGER, exarado nos autos do PAd Cofen nº 609/2011, acrescido da recomendação de que os Conselhos Regionais de Enfermagem não diligenciem apenas por ocasião do processo de inscrição e registro, mas que também busquem junto aos órgãos do Poder Judiciário, mecanismos de serem informados de eventuais crimes cometidos por profissionais de enfermagem inscritos, para fins de avaliação quanto à possibilidade de instauração de processo ético com base no artigo 99, do Código de Ética, aprovado pela Resolução Cofen nº 311, de 8 de fevereiro de 2007.

 

Brasília-DF, 30 de maio de 2012.
MARCIA CRISTINA KREMPEL
Presidente

PROCESSO: 609/2011
PARECER: 
278-L/2011
ASSUNTO
: Possibilidade de inscrição de profissional com habilidade técnica comprovada, porém, com condenação criminal transitada em julgado.

Ao Sr. Procurador Geral do Conselho Federal de Enfermagem – COFEN,

I- INTRODUÇÃO
Trata-se de consulta realizada pelo Conselho Regional de Enfermagem COREN-SP, em conformidade com as determinações contidas na Resolução COFEN nº 319/2007, nos seguintes termos:

“É possível efetuar a inscrição daquele profissional que, apesar de ter comprovado habilitação técnica, é portador de condenação criminal transitada em julgado?”

Às fls. 02 a 03 juntou o OFíCIO N° 369/2011-GJUR trazendo o questionamento supramencionado e, mencionando o artigo 11 do Manual de Procedimentos Administrativos da Resolução n° 372/2010, apontando o fato de que neste Manual existe a determinação de apresentação obrigatória do original e cópia do título de eleitor e/ou certidão de quitação eleitoral emitida pela Justiça Eleitoral para a concessão da inscrição do profissional.

Desta forma, o eventual egresso do Curso de Enfermagem, possuidor de condenação criminal transitada em julgado, não estaria quite com a Justiça Eleitoral, pela suspensão dos seus direitos políticos, em razão da condenação criminal transitada em julgado. Portanto, inabilitando-o para os fins de registro e inscrição no Conselho Regional.

Alega o Regional paulista em seu parecer que, não obstante a regulamentação do art. 11 do Manual de Procedimentos Administrativos da Resolução n° 372/2010 albergar, em seu conteúdo, o requisito de apresentação do original e cópia do título de eleitor e comprovante de votação na última eleição ou certidão de quitação eleitoral emitida pela Justiça Eleitoral para a concessão da inscrição do profissional, deve tal norma regulamentar ser interpretada conforme a Constituição em função do princípio constitucional fundamental do valor social do trabalho, insculpido no art. 1º, inciso IV, da Cada Magna.

Assegurando o direito ao trabalho, em detrimento da condenação criminal transitada em julgado que apresente como efeito secundário o impedimento ou suspensão do exercício da Enfermagem. Consubstanciando sua tese no Parecer Jurídico n° 116/2011-GJUR, juntado às fis. 04 a 09, a Procuradoria do COREN-SP, atendendo ao disposto na Resolução COFEN n° 319/2007, traz a lume toda a doutrina e construção das normas da escola Kelseniana, e elege o direito ao trabalho e os valores sociais do trabalho, fundamento da República, como princípio preponderante a fundamentar sua tese que propõe uma releitura das normas do Sistema COFEN/COREN’s, cujo conteúdo venha criar óbice generalizado de acesso da pessoa ao registro e inscrição profissional, inviabilizando, de forma reflexa, o acesso ao mercado de trabalho ao que possua sentença criminal transitada em julgado.

Neste diapasão, propõe solução para a questão, ao apontar a análise do conteúdo da sentença que transitar em julgado. “Se na mesma vier alguma restrição ao exercício da profissão de enfermagem, e tão somente aí, poderá este Regional negar a inscrição. De resto, a inscrição merecerá deferimento“.

Prossegue elencando algumas possíveis situações em que a condenação criminal poderá restringir o direito ao trabalho: a do art. 92, 1, e a do art. 43, V, ambos do Código Penal. Assim, recomenda uma “interpretação conforme a Constituição” ao art. 11 da Resolução COFEN n° 372/2010, de forma a adequá-lo ao plano constitucional vigente.

Remete à necessidade dos Regionais estabelecerem nova e séria rotina em seus expedientes de registro e inscrição do profissional com condenação criminal transitada em julgado: a de apresentação da sentença condenatória a ele imposta, e da necessidade de análise desta sentença pelos Regionais, para verificação da possibilidade de registro e inscrição.

Por derradeiro, aponta a natureza de ato administrativo vinculado da inscrição profissional, o que “… impossibilita qualquer apreciação discricionária quanto à conveniência e oportunidade de sua prática.” E mais, que consequentemente, uma vez preenchidos todos os requisitos para a inscrição, esta não pode ser indeferida ao interessado. Como se opera na concessão de licença.

Opina pela concessão de inscrição aos que possuem sentença criminal (transitada em julgado) desde que não haja nenhuma restrição ao exercício do ofício da Enfermagem no corpo do decisum. Relativizando, assim, o art. 11 da Resolução COFEN n°372/2010, para atender ao acima arrazoado.

É o breve relatório.

 

II— FUNDAMENTAÇÃO

A Constituição Federal, nos termos dos arts. 50, XIII e 170, parágrafo único, confere liberdade no exercício de qualquer trabalho, ofício, profissão ou atividade econômica. A liberdade não é plena, podendo ser contida por lei que estabeleça qualificações profissionais específicas ou exija autorização de órgão público específico, conforme consta da ressalva feita na parte final de cada um dos dispositivos constitucionais referidos.

Neste mesmo sentido, a Constituição Federal, no art. 22, XVI, atribui competência privativa à União para legislar sobre condições para o exercício de profissões, ao mesmo tempo em que, no art. 21, XXIV, atribui também à União a organização, a manutenção e a execução da inspeção do trabalho.

A Constituição não especifica expressamente um fundamento para o estabelecimento legal de restrições ao princípio da liberdade de trabalho. A ausência deste fundamento expresso na Cada Magna, entretanto, não deixa o legislador de “mãos livres” para elaborar leis que, a pretexto de regulamentar determinada profissão, estabeleçam indevida restrição à liberdade de trabalho.

Na ausência de princípio específico, a regulamentação profissional deve observar os princípios constitucionais fundamentais dispostos nos arts. 10 a 40 da Constituição Federal. Entre os quais figuram os princípios da dignidade da pessoa humana, da livre iniciativa e os valores sociais do trabalho. Tendo por fundamento esses princípios, como pressupostos de legitimidade da regulamentação profissional, as restrições a liberdade de trabalho se justificam sempre que a lei regulamentadora da profissão buscar a preservação da vida, a saúde, a liberdade, a honra e a segurança do trabalhador que a exerce ou da coletividade que dela necessita.

Neste aspecto, andou bem o Parecer do Regional paulista, ao conjugar os princípios da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, sopesando-os em face da restrição a liberdade de trabalho que se impõe àquele que, por não estar no gozo de seus direitos políticos, em razão de condenação criminal transitada em julgado, não se encontra apto ao procedimento de inscrição e registro profissional no Sistema COFEN/COREN.

A criação do COFEN e COREN’s, assim como a dos demais conselhos fiscalizadores só se justifica pela necessidade de fiscalização técnica e ética da profissão, para o resguardo dos valores da dignidade da pessoa humana, da livre iniciativa, valores sociais do trabalho, preservação da vida, a saúde, a liberdade, a honra e a segurança do trabalhador. Esta mesma necessidade justifica a tributação para o custeio de suas atividades e a exigência de prévia autorização para o exercício profissional (Rectius: registro / inscrição).

Ademais, como assinala Hely Lopes Meirelies, “essa inscrição, ao mesmo tempo em que legitima o exercício profissional, submete o inscrito a regras específicas de conduta e o sujeita a uma responsabilidade administrativa (paralela à responsabilidade civil e penal), por eventuais transgressões das mencionadas regras”. Com o registro ou inscrição no conselho profissional o interessado não só obtém autorização para o exercício da profissão, mas também adquire responsabilidade profissional, sujeitando-se à fiscalização técnica e ética do conselho. A finalidade de vincular o exercício da profissão à inscrição ou registro no conselho profissional correspondente é sempre a proteção da coletividade.

A finalidade do estabelecimento das condições para a inscrição no conselho fiscalizador é a proteção da coletividade em benefício da qual é exercida a profissão, no pressuposto de que o respectivo exercício será deferido apenas àqueles que comprovadamente atuarão com boa técnica e com respeito à ética profissional. Neste ponto, é oportuna a colocação do Professor João Leão de Faria Júnior em relação ao tema:

“As Ordens e os Conselhos não se fizeram para defender a profissão, nem o profissional e nem o interesse das classes respectivas. A defesa da profissão, do profissional e do interesse da classe cabe por lei (art. 513 da CLT) aos sindicatos e, quando apropriada nos estatutos, às associações de classe. Compete aos Conselhos e Ordens defender a sociedade, pelo ordenamento da profissão, tendo, por função, o controle das atividades profissionais respectivas, zelando o privilégio e controlando a ética. Valorizando a profissão ao impedir que pessoas inabilitadas exercitem as atividades profissionais e, ainda, combatendo a falta ética profissional, atingem os Conselhos e Ordens o seu desideratum.”

O Supremo Tribunal Federal no julgamento da Representação 1.054/DE, já deixou claro que ” as condições de capacidade” ou as “qualificações profissionais”, que legitimamente podem restringir a liberdade de trabalho, são apenas aquelas necessárias ao bom desempenho profissional, sejam técnicas, morais ou físicas, atendido o interesse da coletividade em cujo benefício a profissão vai ser exercida.

Em suma, para o exercício da profissão podem ser estabelecidas, no interesse da coletividade, outras condições além da eventualmente necessária qualificação técnica ou científica: podem ser exigidas, por exemplo, determinadas condições morais, físicas ou jurídicas. A doutrina nos traz alguns exemplos: É o caso da profissão de farmacêutico, para a qual se exige, além da graduação em curso superior de Farmácia, “boa reputação por sua conduta pública, atestada por 3 (três) farmacêuticos inscritos” e “não ser nem estar proibido de exercer a profissão farmacêutica”. Para a profissão de representante comercial, por sua vez, não há exigência de habilitação técnica ou acadêmica específica, mas o exercício da profissão é vedado àquele que não pode ser comerciante, ao falido, ao que tenha sido condenado por infração penal de natureza infamante e ao que estiver com seu registro comercial cancelado.

Tudo isso para deixar claro e demonstrar que a Resolução COFEN n° 372/2010. em seu art. 11., não alberga qualquer pressuposto de habilitação ao Procedimento de inscrição com conteúdo desproporcional ou irrazoável. O pressuposto do exercício pleno da cidadania, pelo gozo dos direitos políticos, é exigência natural e necessária àquele que se propõe exercer atividades públicas ou privadas em benefício da coletividade. O fato da condenação criminal transitada em julgado ser causa de suspensão dos direitos políticos é mera decorrência do processo legislativo constitucional. Nesses termos preceitua a Constituição Federal em seu art. 15 e a Resolução COFEN 372/2010 em seu art. 11:

“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I- cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II – incapacidade civil absoluta;

III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

Art. 11 O requerimento de inscrição será instruído com os seguintes documentos:- original e cópia do título de eleitor e comprovante de votação da última eleição e/ou certidão de quitação eleitoral emitida pela Justiça Eleitoral;”

O Regional paulista propõe solução de relativização da exigência – requisito objetivo – insculpida no art. 11 da Resolução COFEN 372/2010, de apresentação do original e cópia do título de eleitor e comprovante de votação da última eleição e/ou certidão de quitação eleitoral emitida pela Justiça Eleitoral, àquele que, possuidor de condenação criminal transitada em julgado, venha a requerer inscrição no COREN-SP, pela análise, em cada caso, do conteúdo da sentença criminal. “Existindo nesta alguma restrição ao exercício da profissão de enfermagem, e tão somente aí, poderá este Regional negar a inscrição. De resto, a inscrição merecerá deferimento.”

Fato é que, nem sempre a sentença criminal que transita em julgado trará em seu bojo a restrição ao exercício profissional e, em especial ao da enfermagem. O que se mostra óbvio, pois, o ilícito penal precedendo o ato de solicitação de inscrição e registro, raramente se dará em razão do exercício da enfermagem, uma vez que ainda não se encontra legalmente apto ao exercício desta atividade. Se o fizer será na forma do exercício ilegal de profissão, como contravenção penal, disposta no art. 47 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei n° 3.688/41) ou em crime com esta conexa, o que tipificará um ilícito penal, de maior gravidade, em decorrência da prática ilegal da profissão de enfermagem.

Supondo que um egresso de curso de enfermagem, venha a cometer um crime contra a vida ou de periclitação da vida e da saúde, de repercussão no seio da coletividade, e que tal ilícito penal não tenha ou não ocorrido em função do exercício ilegal da profissão de enfermagem, e traga como consequência a penalização do mesmo em sentença criminal transitada em julgado, e, que nesta, nada conste como efeito secundário a restringir a possibilidade de eventual atividade profissional da enfermagem enquanto durarem os efeitos da sentença, poder-se-ia relativizar o óbice que paira sobre a possibilidade de inscrição e registro no COREN?

A resposta a questão acima é negativa. Assim, a relativização que se propõe, ao nosso juízo, deve ter por norte a análise da sentença criminal, dos seus efeitos secundários, se lá dispostos, do ilícito penal produzido e da sua efetiva condenação expressa na sentença, em cotejo com as disposições do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Não pode o Conselho fechar os olhos para crimes bárbaros contra a vida e contra a saúde, que inundam os noticiários e que tanta comoção produz na sociedade, e acolher, no âmbito do Conselho, de forma indiscriminada, quem dá causa a tais ilícitos penais merecedores da reprimenda do Estado.

O cotejo deve ter por referência os princípios constitucionais conjugados com os princípios fundamentais do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Mais objetivamente, em relação aos arts. 127 e 128 deste Codex Deontológico que impõe regras de SUSPENSÃO e a CASSAÇÃO do profissional.

Assim, existindo na sentença criminal condenação por ações ou omissões que foram tipificadas como ilícitos penais, sendo por estas condenado, e da sentença não caiba mais recurso (trânsito em julgado), e sendo tais ilícitos penais puníveis no âmbito da Enfermagem, pelo Código de Ética, com a pena de suspensão ou cassação, ou com a violação dos princípios fundamentais da ética da enfermagem, deve ser indeferida a inscrição do candidato enquanto perdurarem os efeitos da condenação criminal transitada em julgado.

 

III – CONCLUSÃO

Diante do exposto, em resposta a consulta formulada pelo COREN-SP, entende-se que a possibilidade de registro e inscrição junto ao COREN, do interessado que seja possuidor dos requisitos exigidos na Resolução COFEN n° 372/2010, à exceção do requisito de quitação eleitoral, por ter os seus direitos políticos suspensos em razão de condenação transitada em julgado, poderá ser deferida naqueles casos em que a análise da sentença criminal não visualize qualquer restrição expressa e direta ao exercício da Enfermagem, não se enquadre dentro dos tipos dispostos arts. 127 e 128 do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem e nem ofenda diretamente os princípios fundamentais do Código de Ética. E que o deferimento e o indeferimento da inscrição, nestes casos, seja sempre uma decisão do plenário do COREN.

É o parecer, s.m.j.

Brasília, 14 de dezembro de 2011.

 

José Leandro Teixeira Borba
Procurador COFEN
Matrícula n° 322 – OAB/DF n° 30.799

Visto
Aprovo o parecer n° 278-L/2011 exarado pelo Advogado do Conselho Federal de Enfermagem José Leandro Teixeira Borba.

Bruno Sampaio da Costa Joaby Gomes Ferreira
Procurador-Chefe da DPAC Procurador-Geral do COFEN

 

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