Práticas Avançadas em Enfermagem ganham musculatura no mundo, mas obstáculos ainda impedem avanços globais

Representantes dos EUA, Espanha, Holanda e do ICN estão no 25º CBCENF para apresentar o panorama mundial da PAE e propor caminhos para a integração mundial da Enfermagem

25.10.2023

Cofen é responsável pela regulamentação da profissao no país

Nesta semana, o Brasil recebe lideranças, especialistas, mestres, doutores e pós-doutores de diversas universidades e países, para discutir sobre o avanço da profissão no mundo. O auge desses debates aconteceu durante o Seminário de Práticas Avançadas de Enfermagem – Experiências Internacionais de Enfermeiros, nesta quarta-feira (24), um ícone da programação do 25º Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem (CBCENF), onde representantes dos EUA, da Holanda, da Espanha e do Conselho Internacional de Enfermagem (ICN, em inglês) compartilharam como é o processo de formação, a regulacao e o mercado de trabalho de seus países.

As Práticas Avançadas em Enfermagem são atividades altamente especializadas desenvolvidas por enfermeira (o)s com formação e qualificação específicas, que a(o)s permitem atuar de forma autônoma, ou em colaboração com outros profissionais da equipe multiprofissional de saúde. Essas práticas são caracterizadas pela integração e aplicação de uma ampla gama de conhecimentos práticos, teóricos e que visam qualificar a assistência à saúde, ampliar o acesso aos serviços e promover a autonomia e o protagonismo da categoria.

Práticas avançadas ainda estão em fase de desenvolvimento, porém já existem avanços consideráveis

As principais práticas Avançadas em Enfermagem desenvolvidas, em síntese, são diagnósticos, prescrição de medicamentos, solicitação de exames, tratamentos, educação, consultoria, e orientação aos pacientes e familiares, gestão de casos complexos, e outras atividades especializadas em traumatologia, hemodiálise, neurociências e oncologia. No Brasil, as práticas avançadas ainda estão em fase de desenvolvimento, porém já existem avanços consideráveis. O

Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), responsável pela regulamentação da profissao no país, já aprovou a normatização de práticas relevantes, como a prescrição de medicamentos e a solicitação de exames. No entanto, ainda existe um longo caminho a percorrer na regulamentação, implementação e consolidação das especialidades da profissão em todo o país.

Práticas avançadas possuem o potencial de melhorar a qualidade da assistência à saúde

De acordo com as evidências disponíveis, é possível concluir que as práticas avançadas possuem o potencial de melhorar a qualidade da assistência à saúde, ampliar o acesso aos serviços e promover a autonomia e o protagonismo da enfermeira e do enfermeiro. São atividades profissionais que estão ganhando musculatura ao redor do mundo e que podem transformar a assistência aos pacientes com necessidades específicas. Entretanto, segundo experts no assunto, a falta de uniformidade da formação e do registro legal em diferentes países ainda prejudica avanços globais da profissão, especialmente em áreas de atuação complexas e disputadas por outras categorias.

ICN e as práticas avançadas na Espanha – O enfermeiro espanhol, José Luis Cobos-Serrano, membro da diretoria do ICN (Conselho Internacional de Enfermagem), afirma que introduzir práticas avançadas é difícil em qualquer lugar do planeta e o principal fator é justamente a diferença de critérios no processo de formação, registro e exercício profissional. Assim, faz-se necessário estimular a cooperação entre os países em busca de convergências que promovam o reconhecimento e a atuação dos profissionais de forma mais equânime. A brilhante exposição mediada pela enfermeira americana Stephanie Diambra-odi, que atua no estado da Georgia, nos EUA, deu o tom de incentivo e animo aos participantes presentes.

Principal campo de especialização no mercado espanhol é a Enfermagem pediátrica

“Quando nós voamos pelo mundo, ampliamos muito nossa visao enxergandor novas possibilidades. Costumo dizer que, para escalar uma montanha, é necessário administrar os riscos e escolher o melhor momento de chegar ao topo. Qualquer erro pode comprometer nossa escalada. Assim, é importante lembrar que somos parte de um mesmo time, que joga junto em todo o mundo e que pode se ajudar nesse processo. Deste modo, acredito ser possível encontrar uma forma de encaixar as peças, encontrar um modelo eficiente e convencioná-lo”, destaca.

Cobos-Serrano explica que, na Espanha, os governos das províncias com de enfermeiros práticas avançadas pagam aos profissionais para estudarem e desenvolverem determinadas especialidades, com o objetivo de suprir as demandas da população. Tanto pela via da especialização quanto do mestrado, é possível ascender ao doutorado. O país conta com aproximadamente 300 mil enfermeira (o)s, entre os quais 50 mil já possuem título e registro de especialista. O principal campo de especialização no mercado espanhol é a Enfermagem pediátrica, que atualmente conta com 12 mil profissionais legalmente habilitados.

Práticas são caracterizadas pela integração e aplicação de uma ampla gama de conhecimentos práticos, teóricos.

Situação nos EUA – A enfermeira e pesquisadora brasileira Jeanne-Marie Stacciarini, professora e vice-diretora para assuntos internacionais da Faculdade de Enfermagem da Universidade da Flórida, conta que leva, cada vez mais, brasileira (o)s para fazer semanas de imersão nos EUA, com o objetivo de desenvolver o campo das práticas avançadas nas américas. Ela trouxe ao Brasil uma das maiores referências no assunto, doutora, pós-doutora e reitora René Love, uma das maiores referências do mundo sobre o tema.

“Estamos trabalhando há décadas nesta área e tentando resolver os problemas. Começamos em 1975, uma época muito crítica para os EUA, pois não havia serviço de saúde disponível para a população. Conseguimos capturar o momento que começavam a surgir as oportunidades de agora. Em todo o mundo, estamos vivendo um momento de novas oportunidades, pois a pandemia trouxe problemas que não tínhamos antes. Devemos aproveitar para fazer a diferença, mantendo o nosso foco, que é levar o cuidado para quem precisa de ajuda”.

Representantes dos EUA, Espanha, Holanda e do ICN estão no 25º CBCENF

Love conta que, nos EUA, é necessário concluir o bacharelado para obter o registro profissional. Somente após quatro anos de experiência comprovada, é possível acessar o mestrado. Após isso, o profissional se habilita para fazer um exame nacional de certificação de práticas avançadas. O aspecto negativo é que inexiste integração: o profissional certificado na Flórida, só pode atuar na Flórida. Para exercer em outro estado, é necessário realizar todo o procedimento de registro novamente. “Mesmo depois de atuar 30 anos, se for para outro estado, tenho que trabalhar com um médico e tenho que pagar por isso. Eu tenho mestrado e doutorado, mas sempre digo que sou enfermeira. Não quero ser médica, não sou extensão da medicina, o paciente precisa saber disto”, pontua.

Um grande obstáculo nos EUA é o lobby da medicina, que atua para manter reservas de mercado e impedir a evolução da Enfermagem em relação às práticas avançadas. Criam-se dificuldades legislativas, campos de controle e sistemas de regulação muito fechados. “Temos uma população idosa crescendo e os problemas estão ficando mais complexos. Precisamos, cada vez mais, de provedores e temos cada vez menos. Estamos percebendo certo esgotamento e existem pessoas abandonando a profissão por causa dessas perspectivas difíceis. Portanto, temos que aprender a advogar em favor do futuro da nossa profissão, para superar essas barreiras”, pondera Rene Love.

Seminário está disponível na íntegra no CofenPlay

A grande fonte de inspiração para a consolidação das práticas avançadas nos EUA é a enfermeira Loreta Ford, diplomada em 1941. Como integrante da Academia Nacional de Práticas Avançadas e da Academia Americana de Enfermagem, do alto dos seus 102 anos, a pioneira se tornou expoente na luta pela independência e autonomia da Enfermagem no país.

Lições dos Países Baixos – A Holanda é um país relativamente pequeno, de dimensões parecidas com a cidade de São Paulo. Como tem um mercado de trabalho mais coeso, o país conseguiu estabelecer critérios mais objetivos e eficientes para o avanço da Enfermagem. Segundo a enfermeira especializada em neurologia e mestre em práticas avançadas Carla Gorissen-Browers, você precisa ter autogestão para galgar passos no mercado holandês. “Inicialmente, você pode se tornar especialista em saúde mental ou clinica geral. Para admissão nas práticas avançadas, é necessário comprovar dois anos de experiência, com jornada de pelo menos 32 horas de trabalho distribuídas em quatro dias por semana”, afirma.

Para Gorissen-Browers, é fundamental ter um resultado claro para alcançar uma formação estrutural. “Você precisa ter um bom local de trabalho e saber seus objetivos. O processo de formação em práticas avançadas inclui um programa de dois anos em tempo integral, uma vez por semana, com aulas e treinamentos práticos em habilidades específicas. Muitas vezes, é necessário ser autodidata e empregar mais de 8 horas de estudos por dia. Todo mundo que trabalha com você tem que confiar em ti e é isso que precisamos para alcançar o topo”, diz.

A enfermeira e mestre brasileira Isonir da Rosa, que trabalha na Holanda há mais de 20 anos, mediou as apresentações dos especialistas holandeses. “O primeiro mestrado nos países baixos só ocorreu em 1997 e o seu reconhecimento, apenas em 2018”, conta ela, para demonstrar que, mesmo começando tardiamente, é possível estruturar e consolidar o mercado. “Eu fiz a validação do meu diploma de mestrado em Portugal. Hoje, cumpri toda a burocracia e atuo na Holanda. Por melhor que seja, nenhum lugar é perfeito. Então, temos que fazer um esforço de adaptação sempre”, conta a enfermeira brasileira Sabrina Gruner, que mantém uma página no Instagram (@saudenaholanda) para ajudar outros brasileiros que também desejam validar o diploma para trilhar o mesmo caminho na Europa.

Segundo o enfermeiro Antony van Beurden, especialista em atendimento de urgência e emergência na Holanda, a Enfermeira (o) pode desempenhar todas as práticas avançadas, desde que tenha um caminho teórico bem definido a seguir. Ele tem 15 anos de experiência e ajudou a desenvolver protocolos que hoje são usados em todo o país. “Não há médicos nas ambulâncias, os enfermeiros são altamente treinados para resolver problemas complexos. Com o mestrado, eu posso inclusive atender as pessoas em casa. Estamos evoluindo para dar o cuidado certo, no lugar certo e na hora certa, evitando a lotação desnecessária de hospitais”, destaca.

A Holanda tem 17 milhões de habitantes. O país inteiro conta com 881 ambulâncias e cinco helicópteros, que fazem aproximadamente 1,2 milhões de viagens por ano. O sistema móvel conta com 6.541 empregados e custa cerca de 3,7 bilhões de reais por ano. Todo o processo é controlado por 13 salas de controle. “As pessoas estão ficando mais velhas e isso exige mais cuidado.

A cada quatro anos, precisamos acumular 500 pontos de crédito, performando e fazendo trabalhos específicos, para mostrar que sabemos. Eu dirijo a minha viatura e posso fazer atendimentos em casa, receitar antibióticos, realizar sedação, suturas, ultrassom, massagem cardíaca e muito mais. O médico só é chamado para fazer cirurgias, amputações e outros procedimentos extremamente complexos. Entendo que não é possível em todos os países fazer a mesma coisa, mas podemos eliminar problemas que prejudicam a todos, considera Beurden.

Para quem perdeu, o seminário está disponível na íntegra na plataforma CofenPlay.

Fonte: Ascom - Cofen

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