Puericultura: Carlos González fala sobre aleitamento, sono e alimentação infantil

Cama compartilhada, colo sem hora marcada e limites para os adultos – muito mais do que para as crianças. É isso que defende o especialista: uma maternidade mais livre e leve

31.08.2015

Com um bebê de alguns meses em casa, que dorme pouco e chora muito, os pais ficam exaustos. Depois de alimentar, verificar se a fralda está limpa e fazer de tudo para ninar a criança, acabam recorrendo à busca por respostas na internet. É bem provável que, ao digitar termos como cólica, sono, choro e bebê, ou ao perguntar sobre algum desses assuntos em grupos de maternidade nas redes sociais, eles se deparem com textos do pediatra Carlos González. Especialista em aleitamento, o médico de Barcelona (Espanha) é famoso por ideias que vão contra a rigidez de muitos profissionais e fontes tradicionais de informação. González costuma repetir até que não são necessários livros para saber como cuidar dos filhos, apesar de ele mesmo já ter escrito vários.

 “O problema é que muitos pais parecem inseguros. Passam o dia buscando informação, respostas, conselhos, truques para criar seus filhos”, diz. O primeiro título de sua autoria a ganhar uma edição no Brasil, o Manual Prático do Aleitamento Materno, foi publicado em março. O segundo, Bésame Mucho – Como Criar Seus Filhos Com Amor, foi lançado recentemente no país. O primeiro livro é focado nos vários aspectos da amamentação, enquanto o segundo trata de temas variados como afeto, sono, cólica, choro e comportamento – tanto da criança como dos pais. CRESCER conversou com o médico, que é casado e pai de três filhos, e mostra também o que a ciência diz sobre esses temas.

Muitas pessoas dizem que os bebês ficam mal-acostumados se os pais os pegam no colo frequentemente. Por que essas ideias são tão difundidas e quanto elas podem ser prejudiciais à criança?
Sim, claro, as crianças que ficam muito no colo se acostumam… Por isso, vemos tantos pais nas ruas com garotos de 15 anos nos braços. Pelo amor de Deus! Não é porque fizeram algo muitas vezes que as crianças se veem obrigadas a repetir pelo resto da vida. Você leva seus filhos no carrinho e, depois, eles andam sozinhos. Você coloca fralda durante anos, e então eles deixam de usá-las. Você limpa o bumbum deles durante anos e eles aprendem a se limpar sozinhos. Nenhuma criança de 10 anos quer andar no carrinho, nem usar fralda, nem permite que a mãe limpe seu bumbum. E tampouco quer andar no colo. Elas deixam que as carreguem por muito pouco tempo. É preciso desfrutar, porque, em alguns anos, elas não vão querer mais.

Uma das primeiras histórias que o senhor conta em Bésame Mucho é sobre um encontro com uma jovem mãe. Quanto mais o bebê chorava, mais ela balançava o carrinho, mas não o pegava no colo por vergonha. Por que isso acontece?
Suponho que, em geral, as mães têm medo de serem mães ruins ou classificadas dessa maneira. Criar um filho é muito importante e todo mundo quer fazer isso bem. Diante de uma figura de autoridade, do pediatra, da enfermeira, da sogra, da vizinha ou de outras mães, ela se esforça para demonstrar que está criando bem seu filho. Às vezes, age assim pensando que essas pessoas têm razão e tenta seguir os conselhos porque crê que é o melhor a fazer. Em outras, ainda que não esteja de acordo, ela dissimula para não ser criticada ou desqualificada.

As mães são cobradas para serem perfeitas com os filhos, mas também para que voltem logo ao trabalho, à antiga forma física, ao romance com o marido… O papel delas não fica um pouco confuso? 
Sim. Querem obrigar as mulheres a fazer muitas coisas, mas não se pode fazer tudo de uma vez. Assim, cada um deverá decidir o que quer fazer de verdade, o que é mais importante e a que vai dedicar mais tempo. Ter filhos não é obrigatório, mas, se vocês decidem tê-los, devem saber que vão precisar de muitas horas de atenção, de dia e de noite. As crianças pequenas têm mais necessidade da mãe do que do pai? Os bebês estabelecem o vínculo com uma pessoa. Em circunstâncias normais, essa figura primária de apego geralmente é a mãe. Não porque deu à luz nem porque amamenta, mas porque é ela quem presta mais atenção nele nos primeiros meses. Excepcionalmente, se a mãe não responde ao filho por conta de uma depressão pós-parto grave, por exemplo, ou está ausente, a figura de apego é outra: o pai, a avó, a babá…

Crianças fazem manha por querer?
Elas não podem sobreviver sem os cuidados de seus pais e fazem o necessário para obter isso. Deixamos as crianças malcriadas quando as ensinamos que as coisas são mais importantes que as pessoas: “Não vou passar a tarde com você porque estou muito ocupado, mas fique com esse brinquedo caríssimo para que você se entretenha sozinho e não me atrapalhe”. As crianças precisam ter limites, claro. Não podem voar, não podem fazer milagres, não podemos deixar que brinquem com fogo, que bebam alvejante ou batam em outras crianças, não podemos permitir que andem de bicicleta em lugares perigosos ou que tenham um cavalo em um apartamento na cidade, ou que comam muitas balas… Todas as crianças têm limites. A questão é nos darmos conta de que os pais também precisam ter. Não podemos bater em nossos filhos. Não podemos gritar com eles, humilhá-los, ridicularizá-los, ignorá-los…

Como identificar o limite entre a atenção e o excesso de zelo? A superproteção pode ser negativa?
Não. Ao contrário. Os pais estão cada vez mais separados de seus filhos. Agora, quase todas as crianças começam no berçário antes de completar 1 ano. A maioria, aos 4 ou 6 meses. Muitos têm atividades extracurriculares porque, às 17 horas, quando acaba a escola, os pais ainda não voltaram para casa. Então, as crianças precisam fazer inglês, esportes, música ou o que quer que seja para preencher essas horas. Nunca tantas crianças tinham passado tanto tempo separadas de seus pais desde tão pequenas. Esse é o grande problema.

O que o senhor pensa sobre as técnicas que prometem “ensinar” o bebê a dormir?
Os bebês já sabem dormir desde antes de nascer. Dormir é imprescindível para a vida. Uma pessoa que não dorme morreria antes que outra que não se alimenta. O que se ensina é dormir no momento e da maneira que convém aos pais (ou aos “especialistas”?). Se houvesse alguma maneira de ensinar isso às crianças sem fazê-las sofrer, seria magnífico. Com certeza, seria maravilhoso dizer ao seu bebê de 7 meses: “Meu filho, por favor, você precisa dormir dez horas seguidas e sem chorar”, e seria ótimo se ele obedecesse. Mas não funciona. Os métodos que habitualmente se recomendam para ensinar os bebês a dormir se baseiam em não acudir quando eles choram, não consolá-los, não acompanhá-los, não acalmá-los. Na realidade, o que você está ensinando é que não vale a pena chorar, porque ninguém vai vir, e eu não quero ensinar isso aos meus filhos. O que eu ensino a eles, desde o primeiro dia, é que, quando precisam de mim, é só chamar, que vou acudi-los o quanto antes e farei todo o possível para ajudá-los, tenham eles 3 meses ou 30 anos.

A cama compartilhada com a criança é uma prática condenada por vários especialistas, mas que, segundo seu livro, favorece o vínculo e a amamentação…
Quando pergunto ao público em alguma conferência: “Tem alguém aqui que nunca, nunca, em sua vida, tenha dormido na cama dos seus pais?”, 5% das pessoas erguem a mão. Quase todos nós dormimos com nossos pais, acordamos e não aconteceu nada de mal (quanto aos que acreditam que não dormiram com seus pais, certamente, é porque não se lembram).

O senhor acha que as pessoas criam expectativas erradas sobre o sono do bebê? Por que se espera que a criança durma a noite inteira?
É muito bom quando alguém avisa aos pais que, por muito tempo, o sono deles será interrompido. É o que ocorre quase sempre. Não é que eles não vão dormir. Vão, mas não tanto, nem por tanto tempo, nem com tanta comodidade como antes. O problema é que fazem com que os pais acreditem que o bebê dorme a noite inteira de uma vez, que é o normal, que se eles acordam é por algum problema ou porque estão mal-acostumados.

Por que a sociedade moderna quer tanto a independência das crianças, que devem “comer sozinhas logo” ou “aprender a usar o banheiro o quanto antes”?
É outro mistério. O discurso de muitos pais é o de querer que seu filho seja independente. Mas não qualquer tipo de autonomia. “Quero que meu filho seja independente, mas que faça sempre o que eu quero, sem chorar, nem reclamar nem me pedir ajuda”, dizem. Antes, seus pais davam ordens e, se você não obedecesse, era castigado. Agora, às vezes é pior, porque você tem de adivinhar o que seus pais querem e fazer sem que eles digam nada. E se não faz, tem “um problema de conduta” e precisa ir ao psicólogo. Outro grande anseio dos pais diz respeito à alimentação. Eles querem que os filhos comam bem e de tudo.

Quais devem ser as reais preocupações?
O principal, o mais importante de tudo, é não obrigar uma criança a comer. Jamais, de nenhuma maneira, com nenhum método, nem por mal (com gritos, castigos e ameaças), nem por bem (com prêmios, elogios, promessas ou distrações). Dizer a uma criança “você comeu pouco, precisa comer mais” é tão absurdo quanto dizer “você respirou pouco, precisa respirar mais”. E também ajuda muito oferecer, desde os 6 meses, comida normal, a mesma que os pais comem, sem triturar, deixando que ele mesmo a leve à boca.

bebÊ (Foto: Guto Seixas/ Editora Globo)

Como estabelecer hora para as mamadas atrapalha o aleitamento?
O horário para as mamadas é o maior obstáculo para a mãe. Ouvir seu filho chorar por horas porque ainda não está na hora? Ter de acordá-lo porque já é hora, justo hoje que, finalmente, ele está dormindo um pouco mais e a mãe está esgotada? O próprio conceito é absurdo. Supõe-se que a educação consiste em preparar os filhos para quando forem adultos. Ninguém toma café da manhã sempre à mesma hora na quarta-feira e no domingo. Ninguém cronometra para terminar o prato em dez minutos. Ninguém se recusa a tomar um café com os amigos (“Não, sinto muito, não posso, porque só faz meia hora que comi e não posso tomar nada até que se passem quatro horas.”).

É possível dizer que a palavra que resume os princípios discutidos em seus livros, especialmente em Bésame Mucho, é empatia, ou seja, colocar-se no lugar das crianças e tentar enxergar as necessidades delas com mais compreensão?
Sim. Há um princípio básico da ética, que é tratar os outros como você gostaria de ser tratado. Não existe motivo para não aplicá-lo também às crianças. Alguém pode pensar:
“Mas, com certeza, não quero que me carreguem no colo, nem que me contem uma história para dormir nem dividir a cama com meus pais”. É aí que entra a empatia, a capacidade de compreender os sentimentos do outro. Não é “como eu gostaria que me tratassem agora, como um adulto de 30 anos”, mas “como eu gostaria que me tratassem agora, se tivesse 2 anos e chorasse aterrorizado porque não quero dormir sozinho”.

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