REFLEXÃO SOBRE A FORMAÇÃO DAS CATEGORIAS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DE NÍVEL SUPERIOR PÓS DIRETRIZES CURRICULARES


21.10.2015

Prof.ª Drª Dorisdaia C. de Humerez*

Prof. Dr. José Vítor Jankevicius **

 

INTRODUÇÃO

A saúde, pós regime militar, em uma visão atual, surgiu na Constituição Federativa do Brasil em 1988, em seu Art. 196 “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. ¹

Ainda a Constituição no seu Art. 5º diz “todos são iguais perante a lei (…) nos seguintes termos: (…) II-ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (…) XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”;

No Art. 200. “Ao Sistema Único de Saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(…) III-ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde;

 

 

* Enfermeira, docente aposentada da Universidade Federal de São Paulo-UNIFESP, Membro do Banco de Avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior-SINAES/INEP/MEC, Conselheira do Conselho Federal de Enfermagem- Cofen.

**Biomédico, docente aposentado da Universidade Estadual de Londrina- UEL, Membro do Banco de Avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior-SINAES/INEP/MEC.

 

O Sistema Único de Saúde, regulado pela lei 8080 de 19 de setembro de 1990 que dentre outras ações e serviços de saúde estabelece em seu Art. 19 – “I são estabelecidos no âmbito do Sistema Único de Saúde, o atendimento domiciliar e a internação domiciliar”².

  • 1º na modalidade de assistência e internação domiciliares incluem-se, principalmente os procedimentos médicos, de enfermagem, fisioterapêuticos, psicológicos e de assistência social, entre outros necessários ao cuidado integral dos pacientes em seu domicílio.
  • 1º na modalidade de assistência e internação domiciliares incluem-se, principalmente os procedimentos médicos, de enfermagem, fisioterapêuticos, psicológicos e de assistência social, entre outros necessários ao cuidado integral dos pacientes em seu domicílio.

 

  • 2º o atendimento e a internação domiciliares serão realizados por equipes multidisciplinares que atuarão nos níveis da medicina preventiva, terapêutica e reabilitadora”.

A Resolução nº 287 de 08 de outubro de 1998 do Conselho Nacional de Saúde, relaciona as seguintes categorias profissionais de saúde de nível superior para fins de atuação: Assistentes Sociais; Biólogos; Biomédicos; Profissionais de Educação Física; Enfermeiros; Farmacêuticos; Fisioterapeutas; Fonoaudiólogos; Médicos; Médicos Veterinários; Nutricionistas; Odontólogos; Psicólogos; e Terapeutas Ocupacionais.³

OBJETIVO

Frente ao exposto, o objetivo deste artigo é apresentar alguns dados documentais que nos permitam refletir sobre as categorias profissionais de saúde de nível superior na sua evolução na década 2001 a 2011, após a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais.

METODOLOGIA

Essa é uma pesquisa documental. A análise documental busca identificar informações factuais nos documentos a partir de questões e hipóteses de interesse. Uma pesquisa documental deve acessar as pistas capazes de lhe fornecer informações importantes”4.

A pesquisa documental é um procedimento metodológico decisivo porque a maior parte das fontes escritas são quase sempre a base do trabalho de investigação. Dependendo do objeto de estudo e dos objetivos da pesquisa, pode se caracterizar como principal caminho de concretização da investigação ou se constituir como instrumento metodológico complementar.

A base documental que sustenta esse estudo é a legislação e os Censos da Educação Superior das categorias profissionais de saúde de nível superior no período que transcorre na década 2001 a 2011(5), após a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais. Outros documentos consultados para a elaboração do referencial foram as bases de dados como o portal do INEP e do MEC.

Esses documentos foram classificados em data e curso para posterior análise.

APRESENTAÇÃO

          Inicialmente, faz-se necessário mostrar a evolução do total dos Cursos da área da saúde entre 2001 e 2011.

Tabela 1- Evolução dos Cursos da área da saúde entre 2001 e 2011

2001 2011
PÚBLICO PRIVADO PÚBLICO PRIVADO
510 1.248 1.031 3.595
29,0% 71,0% 22,3% 77,7%

 

A Tabela 1, mostra o aumento dos Cursos da área da saúde no ano 2001 e 2011 entre Instituições de Ensino Público e Privado. O número de Cursos aumentou aceleradamente, indicando um aumento maior no ensino privado, de cerca de três vezes, contra um aumento de duas vezes no ensino público.

Como o Sistema Único de Saúde não tem sido efetivo para “ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde”, pode-se inferir que não temos critérios explícitos para a formação de profissionais da saúde, seja pelo Estado ou pelos Conselhos profissionais, para atender a demanda do SUS. A criação de cursos é definida pelas Instituições de Ensino Superior, não seguindo critérios determinados e muitas vezes, a criação torna-se desordenada, pelas próprias instituições de ensino. As Instituições públicas não possuem critérios definidos para abertura de novos cursos e as instituições privadas atendem aos interesses econômicos e comerciais da atividade de ensino.

Tabela 2- Apresentação dos Cursos das categorias profissionais de saúde de nível superior entre 2001 e 2011

PROFISSÕES DA SAÚDE Número de cursos

2001

Número de cursos

2011

PÚBLICO PRIVADO PÚBLICO PRIVADO
Assist. Sociais 32 72 66 292
Biólogos 72 89 143 176
Biomédicos 2 14 26 184
Educação Física 28 89 88 307
Enfermeiros 72 135 160 663
Farmacêuticos 42 125 112 342
Fisioterapeutas 29 181 66 447
Fonoaudiólogos 11 73 23 67
Médicos 55 51 83 104
Médicos Veterinários 38 62 60 118
Nutricionistas 29 80 72 284
Odontólogos 52 101 60 149
Psicólogos 41 153 117 426
Terapeutas. Ocupacionais 7 23 21 36

 

A tabela 2 demonstra que houve uma expansão do número de cursos na área da saúde. Notadamente, em 2001 o maior número de cursos da área de saúde de nível superior era a Fisioterapia com 210 cursos, já em 2011 a Enfermagem representa com 823 o maior número de cursos da categoria profissional de saúde de nível superior.

Apesar da Carta Magna determinar ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, a formação desordenada, muitas vezes, ultrapassa a demanda e não garante a empregabilidade dos egressos, gerando subempregos ou salários não compensatórios. O Estado ou os Conselhos Profissionais devem assumir a determinação da necessidade numérica de profissionais para que possam exercer com dignidade a profissão e possam atender adequadamente as necessidades do SUS.

Tabela 3- Evolução dos Cursos das categorias profissionais de saúde de nível superior entre 2001 e 2011

2001 2011 Crescimento em %
CURSOS 1.722 5.197 301,8%
VAGAS 205.398 608.276 296,1%
CANDIDATOS 1.063.219 2.258.167 212,4%
INGRESSOS 162.041 311.147 192,0%
VAGAS OCIOSAS 43.357 299.129 689,9%
CONCLUINTES 62.322 191.577 307,4%

 

A tabela 3 revela que, nesse período de 10 anos tivemos o aumento de cerca de 3 vezes nos itens: Cursos (301,8%), Vagas (296,1%) e concluintes (307,4%). No entanto, o aumento no número de candidatos (212,4%) e ingressantes (192,0%) é menor, cerca de 2 vezes. Assustadoramente, temos um aumento de cerca de 7 vezes no número de vagas ociosas ou seja 689,9%. indicando que o crescimento foi superior à demanda.

Tabela 4- Evolução dos Cursos da área da saúde entre os anos 2001 e 2011

ÁREA Cursos

 

Vagas

 

Ingressos

 

Vagas Ociosas Concluintes
2001 2011 2001 2011 2001 2011 2001 2011 2001 2011
Assist. Sociais 104 358 9.757 39.290 8.195 21.853 1.562 17.437 3.828 11.519
Biologia 165 816 15.816 75,179 13.020 33.146 2.796 44.033 5.315 16.421
Biomedicina 16 210 1.171 26.940 1.452 12.537 319 14.403 4.443 4.690
Educação Física 117 395 17.987 48.127 13.896 18.534 4.091 29.593 2.886 11.499
Enfermagem 207 823 23.948 116.573 20.942 61.798 3.006 54.775 6.942 47.090
Farmácia 167 462 17.552 51.979 13.632 25.356 4.120 26.623 6.994 18.779
Fisioterapia 210 513 32.254 68.939 24.754 28.700 7.500 40.239 8.021 17.484
Fonoaudiologia 84 90 7.442 7.364 4.339 2.608 3.103 4.756 2.430 1.599
Medicina 106 187 11.832 16.752 10.313 17.275 1.519 (+)523 8.363 14.534
Med. Veterinária 100 178 9.662 18.147 8.127 11.816 1.535 6.331 3.143 6.675
Nutricionistas 109 356 I1.098 42.987 7.897 20.329 3.201 22.658 2.658 10.840
Odontólogos 153 209 14.209 20.861 11.585 16.636 2.624 4.225 8.765 9.637
Psicólogos 154 543 29.688 71.550 22.344 39.092 7.324 32.458 1.935 19.944
Ter. Ocupacional 30 57 2.202 3.588 1.545 1.467 657 2.121 599 866

 

Observando a tabela 4, no item Cursos, em 2001, destacamos que Fisioterapia (210) e Enfermagem (207) apresentavam o maior número de Cursos, ultrapassando a duas centenas, enquanto Biomedicina (16) e Terapia Ocupacional (30) eram inferiores a 50 cursos. Uma década depois, em 2011, os maiores cursos ultrapassaram 8 centenas, sendo a Enfermagem o Curso das categorias profissionais de saúde de nível superior, o maior (823), seguido da Biologia (816). Os menores, foram Fonoaudiologia (90). e Terapia Ocupacional (37).

Em termos de crescimento percentual a Biomedicina cresceu 1.313% enquanto a Enfermagem, o maior Curso, numericamente, cresceu 398%.

Os Cursos com o menor crescimento, em uma década, foram Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, coincidentemente, os em menor número.

Com relação ao número de vagas/ano em 2001 temos os Cursos de Fisioterapia (32.254) e Psicologia (29.688). Em 2011 esse quadro mudou sendo a Enfermagem o Curso com o maior número de vagas (116.573) seguido da Biologia (75.179), atentando para o fato que o número médio de vagas/curso para Enfermagem é de 140 enquanto na Biologia esse número é cerca de 92/vagas/curso. Percentualmente, os Cursos de Biomedicina (1.521%) e a Enfermagem (487%).

Os cursos com menores números de vagas foram, novamente, Terapia Ocupacional (3.588) e Fonoaudiologia (7.364) destacando-se que houve redução do número de vagas, no total dos Cursos de Fonoaudiologia.

A Biomedicina obteve o maior crescimento percentual nessa década em estudo, atingindo 863% de acadêmicos ingressantes, seguido da Enfermagem com 295%, que também representa o Curso com o maior número de ingressantes (61.798).

A redução de alunos ingressantes deu-se no Curso de Fonoaudiologia (60%) e Terapia Ocupacional com redução de 5%.

Interessante ressaltarmos que a tabela 4 revela que os dois (2) Cursos de maior crescimento percentual, ou seja Biomedicina e Enfermagem em número de cursos/vagas, também representam os maiores em termos de vagas ociosas tendo a Biomedicina crescimento de 4.515% e a Enfermagem crescimento de 1.822% de vagas não ocupadas. A Enfermagem em número absoluto é o Curso com o maior número de vagas ociosas (54.775) seguido da Biologia (44.033). Em 2011 o Curso de Medicina acrescenta mais 523 vagas, buscando atender a demanda.

Quando observamos a coluna dos Concluintes no ano de 2001 temos o maior número em Odontologia (8.765) seguido da Medicina (8.363). Já em 2011 há uma explosão no número de concluintes nos Cursos de Enfermagem (47.090) seguido da Psicologia (19.944).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição assegura que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Esse estudo constatou um acelerado e desordenado crescimento dos Cursos das categorias profissionais de saúde de nível superior entre 2001 e 2011 com Cursos com crescimento desmesurado (Biomedicina e Enfermagem) e outros que aparentam não ter conseguido o espaço de atuação no Sistema Único de Saúde (Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional).

Acrescentamos que o Sistema Único de Saúde é um Sistema em processo permanente de construção e deve haver o cumprimento do Art. 200 da Constituição Federal que estabelece que o SUS deve ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde, ou seja as catorze (14) categorias profissionais de saúde de nível superior que representam a equipe multiprofissional.

Ousamos opinar que a ordenação da formação de recursos humanos das catorze (14) categorias profissionais de saúde de nível superior que representam a equipe multiprofissional do SUS deva ser estabelecida pelo SUS mas, conjuntamente com os Conselhos Profissionais da saúde.

Temos hoje a Lei Nº 12871/2013 que institui o Programa “Mais médicos”, que representa um modelo de ordenação profissional, de iniciativa assumida pela União.(6)

Devemos refletir com muita seriedade e dados concretos o que queremos para as categorias profissionais de saúde de nível superior para suprir as necessidades do SUS e atender a comunidade com dignidade. A educação superior no Brasil praticamente não dialoga para conhecer as necessidades concretas dos profissionais da saúde e da população em geral. Neste contexto, o Conselho Federal de Enfermagem tomou a inciativa de determinar a realidade dos profissionais de enfermagem visando subsidiar a construção de políticas públicas. (7). Esta pesquisa possibilitou mapear os recursos humanos de enfermagem para atende as necessidades do SUS.

SUS é a maior política pública que o Brasil já construiu. Do ponto de vista de inclusão social, nenhuma fez tanto. Do ponto de vista de acesso, deu oportunidade a contingentes imensos da população brasileira que não tinham entrada ao sistema de saúde. Ao fazer o máximo com os poucos recursos existentes, o SUS prima pela constante busca da qualidade e eficiência. Não há nada no mundo que faça tanto, com tão pouco e sua manutenção e desenvolvimento tem de ser garantida por recursos humanos qualificados e em número adequado.

 

REFERÊNCIAS

Acesso 03/07/2015.

Acesso em 12/09/2015

Acesso em 12/09/2015

Acesso 17/08/2015.

Acesso 17/08/2015.

Acesso em 12/09/2015

Acesso em 19/09/2015

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