Vulneráveis e invisíveis: a categoria que tem 4 a cada 10 testes positivos na saúde

Técnicos de enfermagem se contaminam quatro vezes mais que médicos na linha de frente da COVID em BH; leia reportagem do Estado de Minas

28.07.2020

Aline Queiroz Santos, com os filhos Kauan e Isadora, se recuperou da doença, mas se preocupa com o contágio quatro vezes maior que entre médicos

Eles e elas têm uma missão fundamental para salvar vidas e garantir o conforto de quem está internado: são responsáveis pelo banho, ficam atentos à medicação e cuidam da alimentação dos pacientes nos leitos de hospitais ou que chegam aos centros de saúde e outras unidades, públicas e privadas. Mas a morte de um técnico em enfermagem, ontem – primeiro caso fatal de contágio por coronavírus na equipe de saúde de Belo Horizonte – chamou ainda mais a atenção para uma categoria que tem menos visibilidade, mas é a mais vulnerável na linha de frente do combate à COVID-19 na capital.

Dados do Boletim Epidemiológico divulgado pela Prefeitura de Belo Horizonte (veja quadro) mostram que os técnicos de enfermagem são os profissionais de saúde que mais testaram positivo para a doença em BH. O grupo inclui 128 homens e mulheres ou mais de 43% de um universo de 294 profissionais que se contaminaram na rede SUS da capital, suplantando de longe o segundo lugar, em que aparecem os enfermeiros (37, ou 12,6%), os agentes comunitários de saúde (32, 10,8%) e os médicos, em quarto (31, 10,5%).

Para a técnica de enfermagem, os números servem também de alerta. “Muitas vezes, as pessoas conversam perto umas das outras, sem máscara, achando que por serem conhecidas não há perigo. É um engano. Temos sempre que tomar cuidado”, afirma a profissional, residente em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de BH, e que não sabe exatamente como foi contaminada pelo novo coronavírus.

Em nota, o Grupo Santa Casa BH informa que criou o Centro Especializado em Saúde do Trabalhador (Rua Ceará, 460, no Bairro Santa Efigênia) para atender exclusivamente aos funcionários da instituição, incluindo estagiários, especializandos e residentes. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h, e conta com médicos, enfermeiros, técnicos em patologia e psicólogos para ajudar no controle e cuidado durante a pandemia. O objetivo é disponibilizar um atendimento diferenciado à equipe que está na linha de frente no combate ao coronavírus.

A superintendente de Recursos Humanos da instituição, Clarinda Macedo, explica que o atendimento ocorre de maneira completa e por etapas. “No primeiro sinal ou sintoma respiratório, o gestor encaminha o trabalhador para o Centro Especializado. Lá, o paciente passa por avaliação médica, para verificar se é um caso de doença crônica respiratória, como asma, sinusite e rinite, ou uma síndrome gripal. Se o diagnóstico for de síndrome gripal, o funcionário é afastado por dois dias inicialmente e realiza coleta de material para exames. Após o período, se estiver assintomático e o resultado for negativo, retorna ao trabalho com orientação de usar os equipamentos de proteção individual (EPI) durante toda a jornada. Se ainda tiver sintomas, passa por nova avaliação”, explica.

Testes rastreiam casos suspeitos

A nota informa que desde março a prefeitura disponibiliza local exclusivo para a realização de testes nos profissionais de saúde que atuam no município. E a Saúde municipal elabora e divulga periodicamente notas técnicas com orientações sobre equipamentos de proteção e roupas dos profissionais que prestam assistência direta aos pacientes com suspeita de COVID-19.

Os documentos também listam os acessórios de proteção para cada grupo profissional, conforme a área de atuação nas unidades de saúde. “Além disso, há orientações sobre a conduta dos profissionais sintomáticos e assintomáticos, com contato domiciliar confirmado para a doença, e as medidas a serem tomadas. As notas técnicas são atualizadas conforme a necessidade e seguindo as orientações do Ministério da Saúde”.

“É importante ressaltar que a rede SUS-BH conta com estoque abastecido de equipamentos de proteção individual. A categoria da enfermagem, que engloba enfermeiros e técnicos, tem o maior número de profissionais atuando nas unidades de saúde. Em consequência disso, a exposição ao vírus pode ser mais recorrente. Os profissionais seguem protocolos e trabalham com os equipamentos de proteção individual recomendados”, diz o texto.

Depoimento

“Se eu peguei, qualquer um está sujeito”, Flórida da Silva Aleixo, de 47 anos, técnica de enfermagem

“Trabalho nos hospitais Risoleta Neves e do Ipsemg. Em 24 de junho, senti os primeiros sintomas: febre e fraqueza. Depois a prostração foi se agravando, perdi paladar e olfato, e no sétimo dia tive falta de ar. No Risoleta, aconselham os profissionais de saúde a buscar atendimento médico caso sintam algum sintoma. Foi o que fiz, já no primeiro dia: fui ao Cecovid, unidade de atendimento do hospital destinada a pacientes e trabalhadores com sintomas respiratórios durante a pandemia. Lá, fui muito bem atendida pela médica e fizeram o teste para COVID-19. Fui afastada do trabalho inicialmente por quatro dias. No terceiro dia, minha coordenadora ligou dizendo que meu exame dera positivo e então permaneci afastada até completar 14 dias, para não ter risco de transmitir para ninguém.
Como também trabalho no Ipsemg, passei por atendimento médico, porque tinha que deixar a instituição ciente do meu quadro de saúde. Moro com minha filha de 12 anos. Não foi fácil esse período em relação às compras das coisas para casa, pois não tinha outro adulto que pudesse ajudar. Onde eu peguei a COVID-19? Não dá para saber. Apesar de trabalhar em dois hospitais, sou muito cuidadosa, me paramento toda com os equipamentos de proteção individual necessários. Ficava pensando: se até eu peguei, qualquer um está sujeito a se infectar. Posso ter pegado na rua, no deslocamento de ônibus, em qualquer lugar. Depois de 14 dias de afastamento, retornei ao trabalho em 8 de julho. Hoje estou superbem, só meu paladar ainda não está 100%.” 
Hospitais seguem protocolos de ação
A assessoria do Hospital Risoleta Tolentino Neves informa que, desde o início da COVID-19 no Brasil, vem acompanhando as orientações dos órgãos sanitários, adequando processos e fluxos e realizando divulgações junto aos públicos de relacionamento. Em março, foi criado um Comitê Interno de Enfrentamento à COVID-19 e, desde então, são realizadas reuniões sistemáticas para a definição de ações importantes na pandemia.
Já o Ipsemg informa que segue todos os protocolos para o enfrentamento da COVID-19 recomendados por órgãos estaduais e federais e disponibiliza equipamentos de proteção preconizados para cada atividade. Todos os profissionais foram treinados quanto à forma correta de se paramentar e desparamentar. Os protocolos, conforme a especificidade da atividade, também estão disponíveis para acesso na intranet da instituição. Nota da assessoria diz que “todo servidor que apresenta sintomas característicos da infecção viral causada pelo coronavírus é imediatamente afastado de suas atividades e acompanhado pela Medicina do Trabalho do instituto”.
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