Enfermagem indígena tem destaque em Congresso de Saúde Pública

Enfermeira Eliane Clara Opoxina, do Distrito Indígena Yanomami, está entre os agraciados com a medalha Carlos Chagas, ao lado de personalidades como a ministra Sônia Guajajara, Weibe Tapeba e Eloi Terena

09.08.2023

Premiação representa “a oportunidade de mostrar o que é a Enfermagem na floresta, especificamente no dsei Yanomami, com todos os desafios atuais que vivemos”, afirma enfermeira

A Saúde Indígena teve destaque no Congresso de Saúde Pública e Formação Humana, realizado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) na semana passada, em comemoração ao centenário da Sociedade Brasileira de Higiene e Saúde Pública (Sobrahsp). A enfermeira Eliane Clara Opoxina, do distrito sanitário indígena (Dsei) Yanomami, está entre os agraciados com a medalha Carlos Chagas, ao lado de dezenas de personalidades, como a ministra dos povos indígenas Sônia Guajajara, que iniciou sua trajetória profissional da Enfermagem, Weibe Tapeba e Eloi Terena.

Para Clara Opoxina, a premiação “é a oportunidade de mostrar o que é a Enfermagem na floresta, especificamente no dsei Yanomami, com todos os desafios atuais que vivemos”. O nome Opoxina, adotado enquanto viveu com os yanomamis, é referência a um colar feito com rabo de tatu, usado por crianças para a proteção. Única profissional fluente no idioma, Clara Opoxina foi presença importante para evitar mais mortes durante a emergência humanitária, que levou à morte de cerca de 570 crianças, associadas a contaminação por mercúrio, desnutrição e fome, devido ao impacto do garimpo em terra indígena.

Clara testemunhou a tragédia provocada pelo suspensão da assistência e expansão do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. “Em 2021, eu retornei a Roraima para reabrir um posto de saude que ficou fechado 1 ano e 4 meses. Eu pude ver de perto a tragédia humanitária dos Yanomami, a miséria que o garimpo trouxe, a desnutrição, e o aumento da malária, a destruição ambiental e social”, afirmou ao Portal Cofen a enfermeira, que passou a realizar missões e escala fixas para reabertura dos postos de saúde fechados durante a gestão anterior.

Encontro com os Yanomami – “Eu escolhi fazer Enfermagem para justamente poder ajudar os excluídos, os menos favorecidos da sociedade. Sempre senti essa necessidade desde a infância, e durante a minha formação eu passei quatro anos falando que eu iria para Amazônia”, conta. “Eu me formei em dezembro de 2011 e fui para o norte com muita coragem e pouco dinheiro. Conheci em Roraima a história dos yanomami, de luta e resistência, e resolvi trabalhar com eles”, relata a enfermeira, nascida em Barbacena, Minas Gerais. Com ancestralidade indígena Puri, ela conta que nesse processo está resgatando a história de sua família.

Foram três anos na região das serras, dois deles em uma das comunidades mais isoladas do território. “Ali, aprendi a falar um dos dialetos deles, o Yanomam”. Com a gravidez, em 2015, ela se mudou para São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, onde continuou a trabalhar com os yanomami. “A região das serras era muito difícil na gestação”, explica.

Crianças yanomani com desnutrição grave

Esperança em um cenário de guerra – Testemunhar a deterioração das condições de Saúde no retorno à Terra Indígena Yanomami foi um choque, mas o momento é de reconstrução, na avaliação da enfermeira. “Vivemos hoje um momento de esperança, porém um cenário de guerra”, relata.

“Entrei em cinco regiões este ano para reabrir postos que ficaram fechado há anos. A situação é dramática, temos que começar do zero. Muitos lugares não têm estrutura nenhuma: tudo se acabou. Junto com os Yanomami, construímos tendas, até que se possa fazer as estruturas fixas, mas com muito amor e coragem temos conseguido fazer uma atenção especial as crianças com DAG ( desnutrição aguda grave) e além de vários tipos de atendimento dar o diagnóstico em massa da malaria nas aldeias que atendemos”, narra.

Enfermagem e a Saúde Índígena – O cuidado qualificado de Enfermagem é essencial para aumentar a cobertura e resolutividade da assistência à saúde dos povos originários. Parte significativa mora em locais de difícil acesso e enfrenta vulnerabilidade social e econômica. Isto se reflete na prevalência de agravos como desnutrição e tuberculose, que é três vezes mais frequente na população indígena. Mortes sem assistência de saúde predominam, e a mortalidade materna supera a média nacional.

“São muitos os desafios a serem enfrentados por esses profissionais. O Cofen e a Comissão Nacional de Enfermagem em Saúde Intercultural (Conenfsi/Cofen) não têm medido esforços nessa luta, buscando a capacitação e aproximação com os órgãos representativos dos povos originários”, afirma Paulo Murilo Paiva, coordenador da comissão. “Precisamos avançar muito”, avalia.

 

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